São Paulo, sexta-feira, 6 de setembro de 1996
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Argentina paga conta da estabilização

DANIEL BRAMATTI
DE BUENOS AIRES

O pessimismo está tomando conta da Argentina.
Depois da euforia dos primeiros anos do Plano de Conversibilidade -que acabou com a hiperinflação, atraiu investimentos e aumentou o poder de compra dos salários-, a população vive um clima de fim de festa.
A sensação generalizada de empresários e trabalhadores é que acabou a época em que a política econômica trazia mais vantagens do que sacrifícios.
Segundo uma pesquisa do instituto Sofres-Ibope, 67% dos moradores de Buenos Aires consideram a situação geral do país "ruim" ou "muito ruim". Só 7% a qualificam como "boa" ou "muito boa".
A política econômica foi reprovada por 43,5% dos 500 entrevistados, considerada "regular" por 30,5% e aprovada por apenas 23,4%. "São os piores índices desde agosto de 1995, quando o país sofria com o efeito-tequila", disse o presidente do instituto, Enrique Zuleta Puceiro.
Sem o "bode expiatório" da crise mexicana, o governo se esforça para explicar o rombo nas contas públicas, o alto índice de desemprego e o fraco desempenho da economia, que se move em ritmo de tango -lenta e melancolicamente.
A previsão do ex-ministro Domingo Cavallo (Economia) de que o PIB (Produto Interno Bruto) cresceria 5% em 1996, que nunca foi levada a sério pelo mercado, já é descartada pelo próprio governo.
O secretário de Programação Econômica, Eugenio Pendás, reduziu a estimativa para 3%. Com isso, o país nem sequer se recupera da queda sofrida em 95, de 4,4%.
Mesmo depois de receber US$ 25 bilhões de dólares por privatizações e de reduzir o número de funcionários públicos de 630 mil para 230 mil, o governo continua com problemas de caixa.
Para evitar que o rombo chegue a US$ 6,6 bilhões em 1996 -160% a mais do que o teto negociado com o FMI (Fundo Monetário Internacional)-, ministro Roque Fernández (Economia) lançou um pacote fiscal que recebeu críticas de todos os setores sociais.
As medidas, que aumentam impostos e acabam com subsídios e isenções, devem ter impacto negativo sobre o consumo e as exportações, reduzindo a velocidade da reativação econômica.
O panorama negativo não se limita ao mercado interno. Nos primeiros sete meses do ano, o país teve um superávit na balança comercial de US$ 576 milhões -cerca da metade do registrado no mesmo período de 1995.
Dependência do Brasil
O economista Miguel Angel Broda, que presta consultoria aos principais empresários e banqueiros do país, vê com apreensão os próximos três anos do governo Carlos Menem. Para ele, a Argentina vive uma "crise de comando" que impedirá o aprofundamento das reformas.
"Não há dúvida de que o melhor já passou. Rezemos pelo Brasil, porque a Argentina não é competitiva", disse. A referência ao Brasil se explica: o maior integrante do Mercosul compra quase um terço das exportações da Argentina.
Consultado pela Folha, o economista Félix Peña, do Cari (Conselho Argentino de Relações Exteriores), saiu em defesa do governo: "A população está perplexa e desorientada porque é mal informada pela imprensa".
Peña atribuiu o pessimismo à "ciclotimia" dos argentinos. "Passamos da euforia à depressão em pouquíssimo tempo."

LEIA MAIS sobre a situação da Argentina à pág. 2-4

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