São Paulo, sexta-feira, 6 de setembro de 1996
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Eleição e pesquisa

JOSÉ SARNEY

Sempre existiram caminhos para desvendar os segredos da vitória. Os candidatos procuram cartomantes para dizer o que as cartas prevêem, jogadores de búzios e até fazem despachos. Hoje, as coisas mudaram. Há um monstro infalível que causa desgraça ou alegria e que se tornou o centro das eleições: a pesquisa.
Quem tem uma boa pesquisa, tem tudo, quem não tem, amarga aquela lei que está contida num provérbio nordestino: "Não há lobisomem mais feio do que o homem derrotado". O diabo é que há pesquisas para todos os gostos.
Em cada município, todo candidato faz a sua amostragem e, com ela, ganha forças para prosseguir. "No mercado recebi dez apertos de mão", "na entrada do ônibus coloquei uma caixa e fui o mais votado", "no açougue, entre dez compradores, oito são meus"... e por aí vão os sonhos.
Tenho um amigo que tem teorias estranhas sobre pesquisas e cartazes. Por exemplo: ele acha que a pesquisa não foi feita para aferir o que o povo pensa, mas para fazer o povo pensar aquilo que a pesquisa quer.
Sobre cartazes ele é mais radical. Não foi feito para o eleitor e sim para o candidato. Ninguém vota ou se convence com cartaz de ninguém. Mas o candidato, quando olha a sua cara, antigamente em preto e branco, pregada nos postes, hoje colorida e retocada nos outdoors, fica feliz e se auto-admira com aquele olhar de ânimo, vaidade e vitória.
Um amigo, Sebastião Furtado, desenvolveu qualidades mágicas de decifrar, pela cara do candidato, no cartaz, se ele ganharia ou perderia.
Uma vez, levei-lhe o de um candidato a governador. Ele olhou e pronto afirmou: "Já perdeu, tem olhos de ervado". Fiquei intrigado. Ele me explicou que aqueles eram olhos de quem fumava maconha. Por artes do diabo seus olhos eram assim, mas sem nada ter com o vício.
Mas a verdade é que, sob o manto da pesquisa, está um fenômeno mais sério. A pesquisa se investe da função de expressar um novo interlocutor da sociedade democrática: a opinião pública. Ela é, hoje, uma das formas de legitimidade.
Franco, o caudilho da Espanha, dizia que não fazia eleições porque tinha pesquisas. Se o povo o queria, não precisava de votos. Lá, certamente, o Montenegro seria o presidente do Superior Tribunal Eleitoral.
Mas o fato é que elas abalaram a democracia representativa e provocam o envelhecimento dos mandatos, com seus resultados quase diários.
Boa mesmo é a teoria pernambucana do Ananias, o lateral-esquerdo do Santa Cruz, a lei da prudência.
Perguntaram-lhe quem seria o vencedor. Ele respondeu: "Só faço prognósticos depois do resultado do jogo, como no provérbio de Magalhães Pinto: eleição e mineração, só se sabe o resultado depois da apuração".
A pesquisa acaba, assim, com Ananias e Magalhães.

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