São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996
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Arrogância são-paulina não merece Parreira

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

O episódio ocorreu em julho de 94, minutos depois de o italiano Roberto Baggio chutar para o alto o título mundial e o Brasil conquistar o tetra: o técnico Carlos Alberto Parreira caminhava para o ônibus que levaria a seleção ao hotel.
"Então, Parreira, o que você diz agora àqueles que o criticam desde as eliminatórias?", provoquei.
"Não digo nada", respondeu Parreira. "Mas, depois de todas as polêmicas, você não tem nada a declarar, nada para a história?", insisti.
Tranquilo, ameaçando um sorriso, ele encerrou a conversa: "É o meu jeito. Como diz o Frank Sinatra, 'it's my way"'.
Juca Kfouri tem escrito que o ganhador não tem a dimensão humana do vencedor, e é nos momentos épicos que um homem revela suas grandezas e misérias.
A manifestação dos torcedores na derrota para o Guarani fez lembrar a reação de Parreira em seguida à maior conquista de sua vida.
Mesmo com a derrota, o São Paulo se manteve na liderança do Brasileiro, até aquela noite, depois de um Paulista de humilhações, em que ficou a anos-luz do Palmeiras.
Mas a torcida achou por bem vaiar Parreira e gritar o nome do gênio Telê.
Para os de fraca memória, recordo que o São Paulo se afundava numa decadência abissal, até a chegada da dupla Parreira-Moracy.
É verdade que ele tem jogadores mais talentosos agora, mas teve o mérito de moldar, com as fragilidades próprias do início, um time que só agora perdeu a invencibilidade.
É como se os ensaios tivessem começado em plena temporada. Aos poucos, o espetáculo ganha contornos mais bem-acabados, o entrosamento cresce, a entrega é maior.
E que ninguém acuse Parreira de covardia contra o Guarani -o São Paulo só não marcou por causa da noite memorável do goleiro Hiran.
Os são-paulinos que vaiaram o técnico lembram as famílias decadentes que imaginam ser hoje o que foram um dia.
O direito democrático às vaias e à manifestação é inalienável. Mas não se pode querer que as consciências sucumbam à maioria -isso se a maioria pensar como os que foram ao Morumbi.
A maioria erra, e muito, como comprova fartamente a história mundial.
Os presunçosos e arrogantes que vaiaram Parreira desrespeitaram também Telê, numa falsa homenagem.
Seu nome não é para ser evocado como provocação ao treinador de plantão, mas para ser incensado eternamente como aquele que fez brilhar no começo dos anos 90 a combinação sedutora e explosiva da arte com a eficiência.
Parreira também tem seu lugar na história do futebol nacional. Esmagou, junto com Cláudio Coutinho, o conceito de que os intelectuais não vingariam no futebol, mesmo com um jogo ideologicamente menos fascinante que o de Telê.
A torcida do São Paulo, nunca é demais lembrar, mesmo no auge de Telê, só ia ao estádio nas decisões, abandonando a equipe à própria sorte, sem a generosidade solidária. Agora, no primeiro tropeço, deu para vaiar o técnico. Talvez porque não mereça mesmo a grandeza de Parreira.

Matinas Suzuki Jr., que escreve às terças, quintas e sábados, está em férias

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