São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Os pecados do PAS

LUÍS NASSIF

Há muita crítica ideológica ao Programa de Assistência à Saúde (PAS) do governo Maluf. Os médicos municipais estão presos a interesses corporativos, que ficaram muito visíveis na gestão Erundina, quando comandaram boicotes contra remanejamentos de corpos médicos.
Com todos esses descontos, é possível que os críticos do PAS tenham razão, e que se tenham cometido atos de grave irresponsabilidade no seu processo de implementação.
Há três etapas nas políticas de saúde. A primeira, a preventiva. Por meio de levantamentos estatísticos, identificam-se os principais problemas de saúde da região, e procede-se ao seu combate prévio -com campanhas de vacinação ou de esclarecimento.
A segunda etapa é o atendimento ambulatorial ou hospitalar. O doente procura as unidades de saúde e recebe o primeiro atendimento. Depois, dependendo de sua doença, é encaminhado a hospitais de referência, especializados.
A terceira etapa é o pós-atendimento. É quando o doente recebe acompanhamento, informações, orientações ou tratamentos posteriores.
Atendimento
O PAS atende apenas à metade da segunda etapa: o tratamento inicial, em postos de saúde ou hospitais genéricos.
Nesse particular, melhorou bastante o atendimento. Acabaram-se as filas de espera, os ambientes infectos e o absenteísmo dos médicos.
Só que a pressa com que foi implantado fez desmontar toda a estrutura anterior que, bem ou mal, respondia pela primeira, por metade da segunda e pela terceira etapa da saúde pública.
No modelo anterior, havia postos de saúde e hospitais atuando em suas respectivas regiões. Havia também hospitais de referência -especializados, que atendiam a toda a cidade. E 20 grupos de saúde especializados em doenças específicas, atuando em toda a cidade.
Havia grupos de atendimento a pré-natal, a jovens drogados, a portadores de HIV, a doentes mentais, a vítimas de hipertensão e assim por diante. Esses grupos desenvolviam trabalhos preventivos, e integravam o sistema de informações em todos os hospitais.
Se um hipertenso ia a um posto de saúde, recebia o primeiro tratamento. Depois, nutricionistas o orientavam sobre alimentação, assistentes sociais sobre técnicas de relaxamento, e médicos, para assessoria técnica. Dependendo do caso, parentes entravam no tratamento.
O mesmo ocorria com bebês que nasciam com problemas. A assistente social do hospital tratava de recolher todos os dados sobre a família e encaminhava o endereço para o posto de saúde mais próximo. Lá, membros da equipe tratavam de providenciar o acompanhamento posterior.
Hoje, se um doente com hipertensão for a um posto do PAS, será bem atendido, sairá medicado, mas não saberá onde recorrer para continuar com o tratamento.
Esse ponto torna-se especialmente grave quando se trata de identificar e atuar sobre epidemias.
Lógica integrada
É possível que o modelo anterior não fosse totalmente eficiente. Mas partia de uma lógica de saúde integrada.
Os conceitos do PAS podem conviver dentro dessa lógica maior. Só que essa montagem exigia tempo. Essa foi a razão para que o processo inicial de implantação -comandado pelo ex-secretário Getúlio Hanashiro- caminhasse de maneira mais lenta, porém mais responsável.
Com a mudança de comando, a pressa levou ao desmonte do modelo anterior. Os doentes passaram a ter melhor atendimento. Mas perdeu-se todo o referencial para a saúde preventiva.
Os 20 grupos foram praticamente desmontados, ou reduzidos. Pior: a pressa e a impaciência em negociar (de lado a lado) levou o município a abrir mão de 27 mil funcionários de saúde e 3.000 médicos que não aderiram ao PAS -mas foram remanejados para outras áreas, continuando a ganhar seus salários.
A coluna continua defendendo o modelo gerencial do PAS. Mas lamenta profundamente que o imediatismo político, mais uma vez, tenha prevalecido sobre as responsabilidades mais profundas para com a cidade.

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