São Paulo, quarta-feira, 11 de setembro de 1996
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Confronto com o poder marcou atuação

LUIS HENRIQUE AMARAL; ANDRÉ LOZANO
DA REPORTAGEM LOCAL

A ação de d. Paulo Evaristo Arns à frente da Arquidiocese de São Paulo foi marcada pelo confronto com o poder.
No Brasil, sua proteção aos perseguidos pelo regime militar o tornou incômodo ao governo.
Sua atuação culminou com a organização do "Brasil: Nunca Mais". Publicado em 1985, o projeto fez um relato da repressão e da tortura no país durante o regime.
No Vaticano, defendeu teólogos da libertação e virou "suspeito".
Ao explicar sua atuação como religioso e político, Arns diz que se guia pela "defesa de quem sofre".
Essa premissa explica, por exemplo, porque o cardeal se envolveu intensamente na defesa tanto dos direitos humanos dos presos políticos quanto dos presos comuns.
Explica também por que ele, depois da aposentadoria, vai se dedicar aos idosos, crianças carentes e aidéticos.
Santo Ofício
O cardeal costuma dizer que o momento mais difícil de sua relação com o Estado foi o encontro com o presidente Médici, em 1970.
"Eu disse que havia tortura no Brasil. Ele respondeu que eu deveria ficar quieto na igreja porque eles sabiam o que estavam fazendo", lembra o cardeal, sobre o encontro que durou três minutos.
Entre os enfrentamentos com o Vaticano, o mais marcante foi o pedido para acompanhar o teólogo Leonardo Boff quando este foi interrogado pelo cardeal Joseph Ratzinger, da Comissão de Doutrina da Fé, como é chamada hoje a Santa Inquisição.
O pedido, feito também por d. Aloízio Lorscheider, foi inédito na história da Igreja Católica.
Arns e Lorscheider foram a Roma e fizeram João Paulo 2º tomar uma decisão também inédita. Diplomaticamente, ele permitiu que os brasileiros acompanhassem Boff em metade do depoimento.
O teólogo havia sido convocado para explicar os fundamentos da Teologia da Libertação.
"O cardeal Arns chegou a ameaçar Ratzinger. Disse que denunciaria a perseguição do Vaticano à Teologia da Libertação, na Alemanha, onde faríamos palestra antes da volta ao país", lembra Boff.
Direitos humanos
Arns foi homenageado ontem por entidades de defesa dos direitos humanos na Cúria Metropolitana, em Higienópolis (centro).
A presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Maria Ignês Bierrembach, representando as entidades presentes no ato, leu um documento de apoio a d. Paulo, que havia sido criticado por familiares de vítimas de crimes ocorridos em agosto e que provocaram a criação do movimento Reage São Paulo.
Na ocasião, algumas pessoas criticaram o cardeal dizendo que ele "defende bandido".
"Enquanto muitos que hoje criticam os defensores dos direitos humanos se omitiam ou eram cúmplices do arbítrio, d. Paulo foi sinônimo de coragem e de luta pela democracia", diz o documento "Cidadania para Todos".
"Quisemos nos solidarizar com d. Paulo, que foi acusado injustamente", disse Maria Ignês Bierrembach.
"Esse ato significa que a população começa a entender e a se movimentar pela defesa dos direitos humanos. Não é só a pessoa privilegiada que tem os seus direitos defendidos", afirmou o cardeal.
Sobre a imprensa, que noticiou ou fato, disse: "Eu acho que a mídia, de fato, atacou aqueles que defendem os direitos humanos. E o fez de maneira muito baixa. Mas depois levantou um pouco o nível e começou a defender a humanidade, como os direitos humanos o querem fazer", afirmou Arns.
O presidente da Comissão Teotônio Vilela, Paulo Sérgio Pinheiro, informou que o cardeal será homenageado com o prêmio Severo Gomes.
Homenagem
No sábado, dia do aniversário de d. Paulo, será realizada uma missa em sua homenagem na catedral da Sé, às 15h30.
Ela será celebrada pelo cardeal e terá a presença de todos os bispos e padres da arquidiocese. Hoje, às 12h30, o pianista José Henrique Castellane de Carli realiza um recital na catedral da Sé como início da celebração do aniversário.
Na próxima sexta-feira, d. Paulo fará uma palestra no encerramento da "Semana de Fé e Compromisso Social" da arquidiocese.
O evento acontece no colégio São Luís, na rua Bela Cintra, 985, com início às 19h30. O cardeal vai falar sobre o "poder político da sociedade organizada".
(LUIS HENRIQUE AMARAL e ANDRÉ LOZANO)

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