São Paulo, quarta-feira, 11 de setembro de 1996
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SP x Rio será apenas o que poderia ter sido

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Pena que esse calendário irracional turve um espetáculo que poderia ser pura luz, como esse paulistas x cariocas de amanhã, que reaparece fora do tempo e da razão.
Claro que, neste parabólico mundo de hoje, a velha rivalidade sobrevive mais na memória dos antigos do que no coração dos jovens. Ainda outro dia, o Odir Cunha me entrevistava longamente sobre a rixa entre paulistas e cariocas, que atingiu seu auge nos anos 30, 40 e 50. Resposta: pode-se resumir tudo na simbiose de duas palavras -fidelidade e ignorância. Traduzindo: os jogadores de futebol daquela época costumavam ser fiéis aos seus clubes, consequentemente à sua cidade (no Rio, era exclusivamente citadino; em São Paulo, acrescentavam-se apenas os times de Santos).
O sujeito nascia num clube pequeno, passava para um dos grandes e lá se fixava até pendurar as chuteiras. Vez ou outra, encrencava com um diretor ou um treinador e trocava de camisa, o que era quase um escândalo.
Isso criava uma identificação muito mais profunda entre público e jogador, e a seleção criava o ardil para que o torcedor que xingava, mas admirava o craque do time adversário, pelo menos uma vez por ano, pudesse vê-lo com a camisa de seu time -o azul e branco carioca ou as 13 listras de São Paulo.
Por outro lado, a ignorância a respeito das qualidades reais do adversário, pela escassez de imagens, nutria ainda mais um sentimento de superioridade das duas partes.
Isso sem contarmos as diferenças culturais, políticas e sociais: o Rio era a capital da República; São Paulo, a locomotiva. Paulista trabalhava, e carioca vagabundeava nas praias. O Rio era a sede cultural do Brasil, mas foi em São Paulo que se deu o Movimento de 22, a criação da moderna universidade e tal e cousa e maripousa.
Hoje em dia, os jogadores vivem na ponte aérea, de lá pra cá, a tal ponto que não dá para se distinguir quem é paulista ou carioca nesta história.
E nenhum dos dois guarda mistérios para o outro desvendar, com os olhos atentos e onipresentes da TV.
Mas deve ainda restar no fundo aquele desejo de se ver no próprio time o craque da esquadra rival, e é isso que esse amaldiçoado calendário frustra, já que tanto aqui como lá os técnicos não podem colocar em campo sua força total.
Senão, vejamos os timaços que teríamos frente à frente amanhã. Paulistas: Zetti; Cafu, Sandro, Cléber e Serginho ou André; Leandro e Carlinhos; Marcelinho e Djalminha; Muller e Luizão. Cariocas: Carlos Germano; Pimentel, Gonçalves, Ronaldão e Gilberto; Mancuso e Luisinho; Marques; Bebeto, Túlio e Sávio.
Infelizmente, será apenas o que poderia ter sido, como quase tudo neste país.
*
O mal não está no número de competições paralelas, tipo Supercopa, Conmebol etc. Nem no excesso de jogos pela TV. Isso é consequência, uma saída para evitar a falência.
As causas são o tamanho dos campeonatos estaduais e o número de integrantes do Brasileirão. Sem falar nas esdrúxulas fórmulas de disputas.

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