São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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Texto retrata vítimas da crise no Brasil

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil de 1929 era sinônimo de cafeicultura. A economia brasileira foi duramente atingida pela depressão mundial nascida com o estouro da Bolsa de Nova York.
São justamente os efeitos da crise junto a suas maiores vítimas -a população- que Mário de Andrade procura retratar em "Café".
O texto foi esboçado pela primeira vez em 1933, mas o manuscrito definitivo só ficou pronto em dezembro de 1943. Sua publicação é bem mais tardia. Ocorreu em 1955.
Foi concebido como libreto de ópera. O primeiro projeto de musicalização partiu de Francisco Mignone. Outros compositores chegaram a discutir a idéia de uma partitura, mas, sem nenhum plano conclusivo, "Café" foi algumas vezes encenado como teatro.
Enfrentou problemas com a censura durante o regime militar. Mário de Andrade ridiculariza o oportunismo dos políticos, ataca interesses escusos e põe em cena um personagem coletivo -um plural de coros, como nas tragédias gregas- que se chama povo.
O libreto reflete a lógica do engajamento à esquerda, que se exprime por uma terminologia militante. Ela prevaleceu no Brasil durante o período de radicais polarizações, iniciado com a Revolução de 30 e concluído, em 1937, com o autoritarismo do Estado Novo.
No primeiro ato, trabalhadores do campo e da estiva -os que produzem e exportam o café- surgem famélicos e como as grandes vítimas da crise econômica.
No segundo ato, a cena da Câmara dos Deputados contrapõe os desvalidos com a retórica vazia de um aparato político controlado por oligarcas.
A designação de alguns dos personagens já é sintomática: Deputado do Som-Só, Deputadinho da Ferrugem, Deputado Cinza.
Surge então a Mãe do Povo, personagem meio mítica, portadora de uma verdade histórica que, no roteiro, tem como desfecho no terceiro ato uma revolução.
Com ela, o conjunto de coros -coletivos mais nítidos, em que se dividem os ex-explorados- se apropria do poder e passa a distribuir a riqueza que produz em conjunto. É o início de um grande sonho socialista.
A narrativa não é tão linear. Sucedem-se no enredo incidentes que subgrupos do grande personagem coletivo se encarregam de encarnar. Há, por exemplo, o Cânone das Assustadas, o Parlato do Rádio, o Coral Puríssimo e o Coral do Êxodo.
(JBN)

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