São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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O PRESIDENTE GEISEL

Mortos, em especial no Brasil, costumam ter a sua biografia revista, sempre para melhor.
Não é o caso de se aplicar ao presidente Ernesto Geisel, que morreu ontem, essa regra não escrita.
Cumpre, ao contrário, colocar a sua biografia na perspectiva correta. De um lado, o general foi figura relevante do regime autoritário, circunstância que a morte não apaga.
Mas foi também figura relevante da penosa transição do autoritarismo para a democracia, outra marca indelével de sua biografia.
Pode-se até dizer que foi a ação firme do presidente Geisel que permitiu o "turning point" definitivo rumo à democracia. Se ele tivesse hesitado durante a rebelião ensaiada por seu ministro do Exército, general Sylvio Frota, no dia 12 de outubro de 1977, é possível que a transição, por ele próprio batizada de gradual, mas segura, fosse interrompida.
Da mesma forma, foi a firmeza de Geisel, ao demitir um poderoso comandante militar, o general Ednardo D'Ávila Mello, comandante do então 2º Exército, que colocou o primeiro freio efetivo às torturas que se praticavam à época.
Quando morreu o operário Manuel Fiel Filho, meses após a morte do jornalista Vladimir Herzog, Geisel seguiu a recomendação de seu irmão Orlando (ministro do Exército) para que o general Ednardo fosse afastado -e com humilhação. Esse ato marcou o início do fim das torturas contra prisioneiros políticos, outro passo adiante no rumo da normalidade institucional.
A esse relevante papel institucional cumpre acrescentar o mérito inquestionável de uma honradez pessoal que jamais foi posta em dúvida.
De alguma forma, Geisel foi também um dos expoentes de uma geração de governantes, civis ou militares, que defendeu e pôs em prática idéias nacionalistas e estatizantes.
Vista na perspectiva do tempo, não deixa de ser irônico que tenha deixado a Presidência no mesmo ano (1979) em que assumia, na Grã-Bretanha, Margaret Thatcher, símbolo de uma revolução liberal que sepultaria politicamente o nacional-estatismo antes mesmo que expoentes dele, como Geisel, saíssem definitivamente de cena.

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