São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Juro do real dobra capital em dólar

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos 26 meses de Plano Real, o fiel (e não houve muito espaço para a infidelidade) aplicador na renda fixa conseguiu mais do que dobrar seu capital em dólar.
"Foi uma política de doação", diz David Gotlib, sócio da Linear Investimentos.
A sociedade, por intermédio dos juros escorchantes (como definiu o presidente Fernando Henrique Cardoso), "doou" recursos para os investidores nacionais e estrangeiros detentores de títulos.
Mas foi também "uma política de destruição", como ainda a qualifica o deputado Delfim Netto (PPB-SP), olhando o outro lado dessa moeda: o crédito.
Pequenas e médias empresas estão pagando, depois da queda das taxas, 4,5% ao mês pelo capital de giro. Ou seja, 48% reais (descontada a inflação) ao ano.
"Todo mundo está quebrando. A inadimplência não cai. Ela está crescendo nas compras de supermercados."
Para o deputado, em qualquer outro lugar, uma diretoria do BC que produzisse juros reais de 48% ao ano e os tentasse "vender" como "boa ciência" seria presa.
Em 1979, compara Delfim, "os juros para o agricultor norte-americano ficaram fortemente positivos e eles cercaram o Fed (banco central dos EUA) com tratores."
Piso
Mas o próprio deputado acredita que existe pouco espaço para a redução dos juros pagos pelo governo no overnight (a chamada taxa primária de juros) -embora muito para a queda das taxas cobradas do setor privado.
É que a equipe econômica ficou presa, acredita Delfim, em uma armadilha, a do câmbio, e tem de manter um "cupom em dólar" atraente. Ou seja, tem de pagar um juro sobre o dólar suficientemente alto para atrair o investidor estrangeiro.
O "piso" máximo para o juro primário do Brasil deve estar entre 9% e 10% reais (sobre o dólar) ao ano, calcula o economista Eduardo Giannetti da Fonseca. Essa é a taxa mínima paga pelas boas empresas brasileiras para captarem recursos no exterior.
Hoje o juro do "cupom" anda em torno de 13% ao ano -chegou a ser de 30% no ano passado.
Crescimento
Tanto Delfim quanto Giannetti consideram que o câmbio (ou, mais precisamente, o comportamento das exportações e importações) representa um forte limitador para o crescimento.
O juro alto, portanto, serve também para calibrar a quantidade de crescimento possível -a que não arrebenta as contas externas.
"Crescer à plena carga no Brasil significa crescer a 6% ao ano, mas estamos crescendo a 2,5%. É um desperdício gigantesco de recursos", diz Delfim.
Joaquim Elói Cirne de Toledo, vice-presidente da Nossa Caixa Nosso Banco, também acredita que existe pouco espaço para a queda do juro primário. Mas, para ele, o juro serve (ou tem capacidade) para controlar o fluxo de recursos (entradas e saídas), mas não tem efeito sobre o consumo.
"Qualquer plano de estabilização é seguido de um 'boom' de consumo, qualquer que seja a taxa de juros", afirma.
Um erro de operação, acredita, colocou o país "no pior dos mundos". O erro: o governo ter prometido que as taxas iriam cair.
"Assim, a sociedade se comportou como se os juros fossem baixos. Temos o custo gigantesco dessa política, com o crescimento das dívidas, sem os benefícios."

LEIA MAIS sobre juros nas páginas 2-6 e 2-7

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