São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Sopro à veneziana

MARIANE COMPARATO

O vidreiro Giampaolo Seguso, da ilha de Murano, na Itália, traz exposição inovadora de vasos a São Paulo
Imagine uma vila mundialmente famosa por comercializar apenas um tipo de produto: o vidro. Assim é Murano, ilha situada a cinco quilômetros de Veneza, na Itália.
A arte da vidraria é praticada ali há mais de 700 anos, desde que os vidreiros venezianos foram confinados na ilha.
Na próxima terça-feira, 17, São Paulo acolherá uma mostra internacional de arte em vidro vinda de Murano, do artesão Giampaolo Seguso.
As peças estarão à venda por preços que vão de R$ 700 a R$ 4.000.
Seguso, 54, está trazendo ao Brasil o primeiro trabalho da trilogia "La Galleria dei 99": "L'Incalmo". Esse, assim como os outros dois, tem 33 peças, totalizando 99. E cada uma dessas peças tem 99 exemplares.
Coincidência ou esses números têm algum significado? "Sou um homem presunçoso... Queria imitar uma grande pessoa: Dante Alighieri. A 'Divina Comédia' é dividida em três poemas: o purgatório, o inferno e o paraíso, e cada um deles tem 33 cantos. O último, o centésimo, é o canto dos cantos", explica Seguso.
Ele ainda pretende fazer uma centésima peça: "Deverá ser a síntese de tudo o que é Murano".
Tradição
Seguso conta que a primeira vez em que se aventurou em trabalhar o vidro, queimou-se. Mas não desistiu.
Afinal, ele tem uma longa tradição. Sua família comemorará no ano que vem 600 anos de mestres vidreiros.
Seu pai, Arquimede Seguso, inventou no final dos anos 20 a escultura de vidro de animais ou mulheres nuas.
"Antes, o vidro em Murano era todo soprado, leve." Assim, a técnica da escultura do vidro maciço faz parte da "escola Seguso".
"Em Murano as pessoas preferem viver bem, isto é, fazer vidros que se vendam", afirma Seguso. "Minha geração viveu uma época em que era mais importante ganhar dinheiro do que fazer vidro."
Quando completou 50 anos, o vidreiro diz que "ficou louco": resolveu desligar-se do atelier do pai e abriu o "Seguso Viro", junto com seus dois filhos mais velhos, Gianluca e Pierpaolo.
"Eu quis revolucionar completamente a estrutura da atividade vidreira, fazer com que o vidro não seja o objeto central do nosso trabalho, mas o homem seja", conta Seguso.
"Viro", em latim, quer dizer "ser vivo". O nome do atelier significaria portanto algo como "Seguso para o homem": "Quando falo que a preocupação maior de uma vidraria não é o vidro, mas o ser humano, as pessoas ficam perplexas", diz.
O desafio que se impôs Seguso foi o de trazer as técnicas de tradição antiga para a modernidade.
"L'Incalmo"
A primeira parte do desafio traz peças feitas com a dificílima técnica muranesa do "incalmo", que data do século 16.
Essa técnica, segundo o "Dicionário do Vidro", de Harold Newman, consiste em encaixar, a quente e perfeitamente, dois cilindros de vidro soprado de diâmetros e espessuras idênticos, realizando assim um objeto com duas ou mais faixas de cores diversas.
Seguso junta a essa outras técnicas, como a "filigrana" (quando o vidro tem listras de cor opaca) e a "murrina" (canos de vidro multicolores cortados).
O resultado são vasos modernos com técnicas típicas -algumas exclusivas- de Murano.
Resta agora esperar pelas duas outras mostras: "La Ragnatela", um estudo sobre as filigranas, e "Il Sogno". "Esse é uma homenagem não a Murano, mas aos homens de Murano; não há, portanto, limites: é fantasia pura", conta Seguso.

Espaço Zero. R. Goiás, 167, Pacaembu, zona oeste. Tel. 231-3858. Inauguração: terça, 17, a partir das 19h30. Segunda a sexta: 9h/18h30. Sábado: 10h30/14h. Até 19 de outubro.

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