São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Da telona para a telinha

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

A primeira tentativa de uma programação televisiva foi, na verdade, uma adaptação do que já se tinha no rádio.
Graças a isso, pudemos ver um desfile de todos os cantores em seus picos de popularidade atravessando as mesas do "Clube dos Artistas", ou descendo a escadaria de "Astros do Disco".
No seu apogeu, Angela Maria foi convocada para o show de inauguração da TV em cores, uma experiência que só vingaria muitos anos depois, na década de 70. Cely Campelo e seu irmão Tony introduziram a música adolescente a uma juventude vestida de tecidos Bangu, e Moacyr Franco e Luiz Vieira tinham seus próprios programas, onde cantavam, faziam humor e estouravam a audiência.
Enquanto a indústria do disco se deliciava, os atores buscavam algo para fazer na TV que não as já famosas novelas diárias.
Dá-lhe cinema. Da telona, inspiraram-se para fazer seus teleteatros, como o "TV de Comédia" e o "TV de Vanguarda", além de um número incalculável de programas com o nome "Grande Teatro..." seguido do nome do patrocinador.
Graças a isso, toda uma geração pôde ver Lia de Aguiar, Walter Forster, Néa Simões, Gracinha Freire e uma infinidade de atores em obras adaptadas.
Cacilda Lanuza fez "Cala a Boca, Etelvina", papel que foi de Dercy Gonçalves no cinema (curioso é que Dercy agora faz a avó de Marisa Orth, ou seja, "Cala a Boca, Magda"- um dejà vu cinematográfico ou será a Ofélia de Sonia Mamed a inspiradora do personagem).
"My Fair Show" era claramente inspirado em "My Fair Lady", enquanto Carlos Zara corria suspeito pelos cenários de "Festim Diabólico", onde se tentou copiar integralmente o roteiro original do filme de Alfred Hitchcock. Aliás, diretor que era chegado no casal Carlos Zara-Eva Wilma. Ela foi convidada para um de seus filmes, nos anos 60.
O próprio Hitchcock não resistiu ao apelo da TV, criando para ela uma série de programas de suspense, nos quais os atores eram só astros do cinema.
Filmes antigos também são a paixão de Silvio de Abreu, autor de novelas fabulosas como "Guerra dos Sexos" e "Cambalacho". Na primeira, Maitê Proença e Maria Zilda terminam em clima "Os Homens Preferem as Louras", enquanto na segunda, Regina Casé seguia o exemplo de Jayne Mansfield em "Sabes o Que Quero" na sua busca pelo estrelato.
Outro autor chegado num filminho foi Bráulio Pedroso, que em 1979 atingiu seu zênite apresentando "Feijão Maravilha", uma homenagem descarada ao cinema brasileiro, onde brilharam, entre outros, Eliana, Anselmo Duarte, Adelaide Chiozzo, Walter D'Ávila, e é claro, Grande Otelo e José Lewgoy.
Hoje em dia, quando atrizes discutem mais a profundidade de seus decotes e o comprimento de suas saias, quando os atores são mais versados em aparecer em carros alegóricos de escolas de samba do que escolas de teatro, quando todo o chamado "círculo dourado" da TV acha que cinema é aquele lugar para comprar pipoca, enfim, quando a cultura cinematográfica, teatral e radiofônica inexiste nos crânios de azeitona de nossas estrelas da tela nanica, seria de bom tom apresentar duas ou três reprises de alguns desses trabalhos. Ou então entrevistar uma meia dúzia de atores de verdade que, ao contrário do comentário de um ator em ascensão, se lembram de seus trabalhos... uma época que um bom ensaio valia mais que mil anabolizantes.

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