São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 1996
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Poluição: questão de cidadania

ROBERTO KISHINAMI

O rodízio de automóveis, realizado na região metropolitana de São Paulo no mês de agosto, foi uma prévia do que poderá ocorrer em outras metrópoles do país nos próximos anos. Não são monopólio paulista os congestionamentos e a poluição de origem veicular.
O êxito do rodízio deveu-se ao amplo apoio social à medida, apesar dos incômodos que gerou aos cidadãos motorizados. Esse êxito, entretanto, não pode cegar o olhar para o futuro. Nos próximos dois anos entrarão em circulação, apenas em São Paulo, mais de 600 mil novos carros, número igual ao que foi retirado das ruas durante o rodízio. Não é segredo: a solução está no transporte coletivo ou público.
O obstáculo continua sendo a política. Mesmo o debate eleitoral que ora se dá sobre propostas de transporte coletivo apenas põe a nu os governos municipal, estadual e federal, bem como partidos políticos, em sua velha prática: propostas para cabalar votos e o "deixa como está" depois das eleições. Essa apresentação oportunista de projetos efêmeros ou preexistentes mostra que a cidadania terá de mobilizar-se para arrancar soluções de governantes e políticos. Há razões de sobra para isso. Em média, cada trabalhador perde um mês por ano de sua vida útil no trânsito, e milhares de crianças morrem ou têm o desenvolvimento prejudicado por doenças e complicações respiratórias, citando dois aspectos já estudados.
Mas não são apenas os políticos um obstáculo. Há comportamentos nos órgãos públicos a serem mudados. Um comportamento equivocado veio da Cetesb. Em meio ao rodízio, com adesão e apoio crescentes à medida, ela se recusou a fornecer e divulgar, pela imprensa, dados das medições de poluentes de suas estações.
Sua justificativa: o que importaria seriam as suas avaliações da qualidade do ar (bom, regular etc.), não os dados de medição que levam ao resultado. Isso revela falta de compreensão do seu papel de órgão público. Sua obrigação primeira é informar. Sem informação, a cidadania é sujeita à manipulação, o que é inadmissível numa sociedade democrática.
E qual a relação, afinal, entre democracia e poluição do ar? Primeiro, o período em que se considerou poluição do ar, surtos de meningite etc. como informações de caráter reservado, sob o manto negro da segurança nacional, já deveria estar enterrado. Segundo, sem transparência o apoio à restrição no uso do automóvel não se transforma em um novo e permanente comportamento urbano.
Em resumo, sem transparência não há democracia, e sem ela soluções à poluição do ar não são possíveis ou mesmo desejáveis.

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