São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Desemprego: celeuma maior que o fato?

JOSÉ CECHIN

As vocalizações contra o desemprego têm sido intensas, talvez desproporcionais aos fatos revelados pelos dados existentes.
Queda do nível de emprego (que mede o número de pessoas ocupadas) e aumento do desemprego (que mede o número de pessoas procurando emprego) ninguém deseja, mas as estatísticas parecem indicar que o fenômeno seria tipicamente paulista, particularmente da grande indústria, onde há maior capacidade de vocalização por parte do empresariado e onde se concentram as principais e mais combativas organizações sindicais.
O elevado desempenho da arrecadação previdenciária, de 10,2% no acumulado janeiro/agosto deste ano comparado com mesmo período do ano passado, sugere que pode haver certo exagero nas manifestações contra o baixo nível de emprego e o alto índice de desemprego.
Desempenho assim alto sugere que houve aumento considerável da massa salarial e, portanto, dos salários, já que houve redução do nível de emprego.
Dados do Ministério do Trabalho indicam que em junho deste ano o nível de emprego estava 2,31% menor do que em junho do ano passado, nível similar ao acumulado do semestre comparado com idêntico período do ano anterior (-2,34%). Na indústria de transformação, a queda foi expressivamente maior, 5,9% mês contra mês, e 6,0% no acumulado semestre contra semestre; nos outros setores a queda ficou perto de 1%. A CNI aponta uma queda do nível de emprego industrial maior do que os dados do MTb, de 9,0%, mês contra mês e acumulado no semestre.
Mas foi na indústria de São Paulo onde ocorreu a maior queda, de 10,4% e 11,6%, respectivamente, e mais expressiva ainda na grande indústria, de 12,9% mês contra mês segundo a Fiesp, perda essa parcialmente compensada pela absorção de mão-de-obra na micro e pequena empresa (terceirização).
Vale lembrar que essa maior perda de empregos em São Paulo revela uma tendência à descentralização, à busca de localizações de menores custos, inclusive sindicais, em resposta à maior competição promovida pela desregulamentação e pela abertura comercial.
A massa salarial cresceu mesmo com a perda de empregos, pois houve expressivo aumento dos rendimentos médios reais. Segundo o IBGE, o rendimento médio real das pessoas ocupadas nas seis regiões metropolitanas pesquisadas era 7,1% maior em junho deste ano comparado com junho do ano passado, ou 8,6% maior no acumulado do semestre contra igual período anterior.
Combinando esses dados de rendimento médio real com os dados de emprego do MTb acima relatados, pode-se estimar que a massa salarial, a nível Brasil, era 4,6% maior em junho deste ano comparado com junho do ano passado, ou 6,1% maior no acumulado do semestre, comparado com o primeiro semestre do ano anterior.
Mas, como na indústria de transformação a queda do emprego foi mais acentuada e o rendimento cresceu menos, a massa salarial caiu 6,6% e 3,7%, respectivamente, e em São Paulo mais ainda: 8,4% e 5,4%, respectivamente.
É preciso observar que essa reestruturação do emprego e dos rendimentos é desfavorável à arrecadação previdenciária, pois o setor industrial, que perdeu massa salarial, é mais formalizado e oferece as melhores remunerações, sendo portanto o de mais fácil fiscalização.
O Plano Real, ao submeter a economia à competição internacional, acelerou essa reestruturação, que, no entanto, já vinha ocorrendo desde 1990, como mostram os dados da Rais-1979/92 e da PNAD-95 -o número de vínculos empregatícios caiu de 26 milhões em 1989 para menos de 24 milhões em 1995.
Parece paradoxal, no entanto, que se observem aumentos significativos de salário médio real em período de queda do nível de emprego e de aumento do desemprego. Esses aumentos podem ser explicados, em grande medida, pela queda drástica da inflação obtida com o Plano Real.
Claro que o aumento do salário médio pode ser apenas um efeito estatístico se as demissões forem preferencialmente de empregados menos qualificados e de salários mais baixos. Mas essa hipótese pode não ser realista em períodos de reestruturação econômica que objetive reduzir custos para enfrentar a maior concorrência resultante da abertura comercial -a preferência pela demissão dos de menor salário pode não ser tão intensa, ou então os salários de contratação podem ser superiores à média, mas inferiores aos salários de demissão.
A elevação do rendimento médio real, nesse contexto de desemprego crescente, decorre de outro fenômeno estatístico, associado à queda brusca da inflação. Quando a inflação se acelera, os salários perdem valor real, pois são corrigidos pela inflação passada, menor que a futura. Observa-se então uma tendência de encurtar os períodos entre reajustes na tentativa de recuperar e manter o valor real, embora o efeito observado tenha sido o de acelerar ainda mais a inflação.
Quando a inflação cai bruscamente, tende a ocorrer o fenômeno oposto. Os reajustes de acordo com a inflação passada, maior do que a futura, elevam o valor real médio dos salários.
Frente a essa tendência à elevação dos salários, em ambiente mais competitivo e com altas taxas de juros, os empresários responderam com redução do emprego. Essa tendência foi mais acentuada na indústria, que teve de se reestruturar mais drasticamente para enfrentar os desafios mais intensos da competição dos importados.
Fenômeno parecido ocorre com o nível de desemprego. O fim da inflação aumentou as rendas reais das pessoas mais pobres, especialmente daquelas que nem sequer tinham conta bancária e, portanto, proteção contra a inflação.
Já a classe média, que tinha como se proteger da inflação mediante aplicações financeiras, foi menos beneficiada pela estabilidade, e, como em sua cesta de consumo pesam relativamente mais os itens de serviços -aluguel, escola, saúde, reparos, lazer, tarifas públicas etc.-, cujos preços cresceram bem mais do que os dos manufaturados, teve perda relativa de renda. Na tentativa de manter sua posição relativa, outros membros da família foram compelidos a buscar emprego, o que tem elevado as estatísticas do desemprego.
A queda da inflação recompôs os rendimentos reais que haviam sido corroídos pela aceleração inflacionária. Isso aconteceu com os salários e as folhas de pagamento, inclusive com os benefícios previdenciários.
As perspectivas de agora em diante são melhores. A fase da indexação automática dos salários à inflação passada já acabou. O nível de emprego voltou a crescer a partir de abril e o rendimento médio real deverá deixar de crescer como simples fenômeno estatístico, para acompanhar o novo ciclo de crescimento do emprego.

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