São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Ex-palhaço defende no ar a pena de morte

RICARDO FELTRIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Entediado, o telespectador liga a TV na CNT Gazeta às 18h, entre segunda e sábado.
Boquiaberto, ele vê um apresentador sugerir ao vivo que o policial flagrado ao matar um suposto ladrão de ônibus seja "dispensado" rapidamente do local do crime pelas autoridades.
Trata-se de sugestão de crime. Sem maiores delongas e no infantil horário das seis.
Dispensar do local o autor de um crime -matar um bandido incluído aí- é ato criminoso segundo o Código Penal.
A cena foi protagonizada pelo apresentador do programa "190 Urgente", Carlos Massa, conhecido como Ratinho.
Ratinho é a estrela de mais um programa popular/policial que ironiza e "força a barra" em cima da desgraça alheia.
Radialista, Ratinho já foi vereador, deputado federal ("as piores experiências de minha vida") e até palhaço de circo.
No ar, o apresentador gagueja, dá murros na mesa, arruma as calças, faz micagens, defende a pena de morte e até diz que está "negociando uma mudança para o SBT".
Em certos momentos, mais exaltado, ele fala tão perto da câmera que bafeja na lente.
Tudo é muito teatral. Mas muito mambembe. Fazendo a linha "almoço-de-domingo-na-churrascaria", só falta o apresentador palitar os dentes e cuspir no chão do estúdio da CNT.
"Escapou"
Ratinho discute com sua coordenadora. Dá o seu nome (Cida), diz que ela está precisando casar e pede aos telespectadores interessados que mandem cartas.
Sobre a sugestão de crime, feita há cerca de duas semanas, Ratinho, 40, afirma que foi alertado por seu diretor no momento em que falou.
"O problema é que fazemos tudo ao vivo. Às vezes escapa", justifica o apresentador, que considera o deputado paulista Erasmo Dias (PPB) "truculento demais".
Ele não. Não se acha truculento. Considera-se "sarcástico".
Na contramão da Constituição Federal, em "190 Urgente" o suposto bandido é sempre bandido até prova em contrário. Os policiais são sempre mocinhos, heróis.
É o invariável mundo cão: o assassino que se arrepende e se entrega, a mulher que vendia cocaína e foi pega, o desempregado que matou o amigo por causa de dívidas, o bandido que tentou pular a janela da cadeia e quebrou as pernas.
"Tá vendo? Além de tentar fugir e se quebrar, agora o Estado vai ter que pagar os gastos com esse bandido no hospital", vocifera com os lábios úmidos, quase babando.
Tanta agressividade está rendendo. Há 60 dias no ar, "190 Urgente" registra boas marcas no Ibope. Segundo sua produção, já bate na casa dos quatro pontos (aproximadamente 320 mil telespectadores na Grande São Paulo).
Perto de "190 Urgente", as últimas apelações de "Domingão do Faustão" (Globo) e "Domingo Legal" (SBT), que causaram tanta polêmica, não passam de sandices.

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