São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 1996
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Antunes amaldiçoa a Índia

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A Índia foi uma decepção para Antunes Filho.
O diretor viajou em fevereiro às maiores cidades religiosas, aos grandes templos, com o cenógrafo J.C. Serroni, que registrou a viagem em fotografias.
Com uma obra muito ligada à mitologia hindu, a ponto de chamar seus atores de shivaítas, em referência a Shiva, o destruidor das forças do mal, segundo uma descrição, ele chegou a ficar doente, "espiritualmente".
Sexta estréia novo espetáculo, "Drácula e Outros Vampiros", sob o impacto da viagem. Leia a seguir a entrevista com o diretor.
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Folha - Como é a Índia?
Antunes Filho - A Índia... Eu fui com tanto sonho, tanto sonho, tanto sonho, e eu vi uma coisa pesada, sabe, uma coisa terrível para mim. Além da pobreza... A Índia para mim foi uma decepção, confesso, foi uma decepção. Esperava uma coisa, sonhava tanta coisa, eu que adoro tanto a mitologia hindu, adoro tanto...
Folha - Como foi a viagem?
Antunes - A viagem foi terrível. Porque toda aquela coisa que eu persigo, meio de Joseph Campbell, da mitologia... Como eu fiz uma viagem por baixo mesmo, de conhecer os lugares com o povo, não fui em ônibus com ar condicionado, então foi terrível, como experiência. A miséria me... Eu fiquei mal. Fiquei muito doente na Índia. E o povo... Aquela mitologia se tornou uma coisa mais pragmática, muito utilitária.
Folha - Você ficou doente fisicamente?
Antunes - Espiritualmente. Porque é muito pedinte, é muita... E depois você vai ver as coisas e cheira a religião utilitarista.
Folha - Tipo Igreja Universal?
Antunes - Não, a Igreja Universal eu nem sei como é... As pessoas fazem as coisas para reencarnar lá perto. No rio Ganges as pessoas esperam que... Lembra um pouco a religião católica, em que as pessoas fazem as coisas para ter recompensa. E depois você vai no lugar e tem sempre uns negócios estranhos. Sabe macumba? Eu não gosto. Eu não gostei. Foi uma experiência horrível para mim.
Eu não quero voltar. Se voltar eu vou de ônibus de ar condicionado, que pára no grande hotel, depois eu vou ao lugar, vejo o templo e vou embora. Porque eu andei mesmo pela Índia, no meio de mosquito, no meio das feiras, no meio de tudo aquilo... Aaaaiii. Deus me livre. Eu não tenho mais vontade de voltar à Índia não. Foi uma coisa que eu esperei muito, tinha uma expectativa muito grande e...
Folha - Como é o rio Ganges? Descreva ele.
Antunes - É legal. Aquilo é bonito. Lá eu vi uma experiência bonita, no templo, o Krishna adiante... Bem em frente nasce o sol. Você vê a bola de fogo. É uma bola de futebol grande na sua frente. É nítido, arredondado. Eu falei, "puxa vida, é só apagar aquilo que termina tudo". Aquilo eu gostei.
Folha - A viagem mudou alguma coisa na sua visão de teatro?
Antunes - Muito, muito. Aquilo acaba com as ilusões todinhas. É tudo ilusão e tem que acabar. Então, eu amadureci muito nessa viagem, amadureci muito.
Folha - Você também foi para Bali. Como foi?
Antunes - Onde eu fui encontrar a mitologia da Índia, aquela mitologia bramânica, foi em Bali. E não aquela coisa assustadora da Índia... E a miséria é muito terrível. Você pode falar que tem miséria no Brasil, mas... Realmente me deu impressão, na Índia, de quase macumba. E a coisa bonita da mitologia hindu, foi em Bali.
Folha - O teatro também?
Antunes - Todo mundo é artista em Bali. Todo mundo é alegre. Ou trabalha em teatro, ou esculpe, ou canta, faz alguma coisa. Bali é uma experiência extraordinária, inclusive como teatro. Eu fiquei bobo. Bali me salvou.

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