São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 1996
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Novos problemas

ANDRÉ LARA RESENDE

"O que deve ser feito para enfrentar a deflação?" A jornalista foi direto ao assunto. Não pude deixar de rir.
É realmente extraordinário! Décadas no inferno da inflação e à primeira queda dos preços a reação é sair à cata dos problemas. Desconversei, argumentei que seria preciso pensar, que estava sem tempo, mas a verdade é que a pergunta não é tão despropositada.
Antes de mais nada, há uma certa confusão entre um momento onde o índice apresenta uma ligeira queda, como ocorreu no mês passado, e um processo de deflação.
Assim como uma ligeira alta não caracteriza um processo inflacionário, uma pequena queda dos preços num determinado mês não é deflação.
A verdadeira deflação é de fato um processo penoso. Um período mais extenso onde os preços caem sistematicamente está sempre associado à recessão e ao desemprego. A razão é simples: alguns preços, os salários em particular, têm uma grande rigidez para baixo. Na maioria dos países a legislação impede que os salários sejam reduzidos. A única forma de reduzi-los é demitindo e recontratando.
O processo de rotatividade da mão-de-obra é oneroso tanto para os trabalhadores quanto para as empresas. Só ocorre em última instância, diante de uma situação recessiva.
A Argentina se encontra em deflação. Presa à camisa-de-força da conversibilidade paritária com o dólar, a única forma de ganhar competitividade é a redução dos custos domésticos.
O processo ameaça se tornar crônico e o desemprego já atinge 17% da força de trabalho. Sem poder desvalorizar, a Argentina procura alternativas para que os preços internos possam cair mais rapidamente com menor desemprego.
Propõe-se agora eliminar a restrição legal à redução dos salários. Pode até ajudar, mas a redução de salários enfrenta profunda resistência mesmo quando não há restrição legal.
Essa resistência está na raiz de um velho argumento do estruturalismo latino-americano, segundo o qual a inflação tem certa funcionalidade.
A tese é que o processo de desenvolvimento acelerado se dá por rupturas e grandes mudanças dos preços relativos. Os preços de equilíbrio em certos setores devem cair, mas os salários nominais são inflexíveis. O resultado é a recessão e o desemprego.
Se, alternativamente, no lugar da queda nominal dos preços e dos salários nas indústrias negativamente impactadas pelo progresso ocorre um aumento dos preços nos demais setores, consegue-se a mesma mudança de preços relativos com menos recessão e desemprego. A inflação reduz o preço relativo e o salário real, sem que seja preciso recorrer à recessão e ao desemprego para reduzir o salário nominal.
O argumento foi recentemente retomado -provavelmente sem conhecimento das teses estruturalistas- por Paul Krugman para rebater a obsessão dos bancos centrais dos países do Primeiro Mundo em levar a inflação a zero. Atenção: Krugman defende a funcionalidade de uma inflação de 3% ou 4% ao ano!
Estamos longe de um processo de deflação, mas os ajustes estruturais seriam muito facilitados por uma maior flexibilidade dos salários e dos preços. A alternativa -um pouco de inflação- não é recomendável para quem mal largou o vício.

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