São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Altman lembra a infância em "Kansas City"

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Kansas City" é uma rara concessão à autobiografia na extensa e variada filmografia de Robert Altman. O cineasta que melhor dissecou a América do pós-guerra em filmes-mosaicos como "Nashville" (1975) e "Short Cuts" (1993) ou em sátiras implacáveis como "MASH" (1970) e "O Jogador" (1992) permite-se aqui mergulhar nas próprias memórias de infância, recriando de forma assumidamente romantizada a cidade onde nasceu, no sul dos EUA, em 1925.
A Kansas City do jovem Altman é um oásis regado à álcool e movido a jogo e violência em plena depressão pós-1929. Reina a polarização entre um mundo oficial, branco e corrupto, dominado pela máfia, e outro, mais paralelo do que subterrâneo, negro e também corrupto, em que convivem escroques e deuses do jazz.
Um drama policial do primeiro universo estruturado a partir da musicalidade do segundo resume o projeto de Altman. "A idéia era fazer do filme uma peça de jazz", diz.
Para reconstituir a atmosfera da época, Altman mesclou personagens reais e imaginários. O enredo é simples: uma jovem operadora de telégrafo (Jennifer Jason Leigh) sequestra a esposa (Miranda Richardson) de um assessor do presidente Roosevelt, visando libertar seu marido ladrão (Dermot Mulroney) das mãos do chefe dos gângsteres (Harry Belafonte).
O filme jazzístico de Altman jamais convence totalmente. A trama central derrapa no solo dissonante de Leigh. O ritmo fílmico não se deixa contaminar pela deliciosa música incessante. Cinema e música dialogam em raros momentos, em particular nos monólogos racistas do chefão Belafonte.
"Kansas City" encanta sobretudo durante as "jam sessions" catalisadas por Altman em homenagem à trilha de sua infância. James Carter, Joshua Redman e Ron Carter são alguns dos magos do jazz que marcam presença, saudando a herança de Countie Basie, Coleman Hawkins e Lester Young, entre outros.
Essas participações especiais destacam-se mais aqui do que no documentário musical ("Jazz'34: Remembrance of Kansas City Swing", "Jazz 34: Lembranças do Ritmo de Kansas City") rodado simultaneamente e lançado no último festival de Veneza. Apesar de tudo, é no registro ficcional que Altman recupera melhor os sons e as imagens de suas primeiras lembranças.

Filme: Kansas City (EUA, 1996)
Direção: Robert Altman
Com: Jennifer Jason Leigh, Harry Belafonte, Miranda Richardson, Steve Buscemi, Dermot Mulroney
Quando: hoje, às 19h, e amanhã, às 15h
Onde: Espaço Unibanco de Cinema - sala 2 (r. Augusta, 1.475/1.470, tel. 288-6780)

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