São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Vitória da democracia

MARCO AURÉLIO DE MELLO

A cada eleição, uma nova lei eleitoral. Essa indesejável rotina é uma característica do processo eleitoral desde os primeiros passos da democracia brasileira. Este ano não vai ser diferente. A lei nº 9.100, aprovada ano passado, disciplina as eleições municipais da próxima quinta-feira.
Como toda nova lei, ela implica insegurança jurídica e, em última análise, homenageia o casuísmo. No entanto não é esse o aspecto mais importante da lei nº 9.100. Prefiro ressaltar a decisiva e salutar novidade que tal legislação introduz no nosso cenário político: a adoção do sistema do voto eletrônico, uma realidade que, há bem pouco tempo, parecia inatingível.
A partir das 8h desta quinta-feira, os votos de 32.478.153 brasileiros, alistados em 57 colégios eleitorais com mais de 200 mil eleitores, estarão sendo coletados e totalizados via máquina, na verdade, um computador desenvolvido e testado pela Justiça Eleitoral, de modo a assegurar, acima de tudo, a manifestação de vontade do eleitor e, com isso, a inviolabilidade do fundamento maior da nossa República: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" -a Carta Cidadã de 1988.
Protegido o direito maior do eleitor, o novo sistema apresenta outras grandes vantagens no aperfeiçoamento do nosso processo eleitoral. Desaparece o manuseio das cédulas e com ele a possibilidade de um voto em branco ser preenchido com o nome deste ou daquele candidato. O voto eletrônico elimina a interpretação, sempre subjetiva, do voto assinalado de forma pouco clara pelo eleitor.
Começa a fazer parte do passado o famigerado "mapismo", decorrente da cantada e lançamento do voto, propositalmente errado, nos mapas de apuração. Eliminado também o processo de digitação dos mapas nas máquinas totalizadoras, acabarão as mazelas eleitorais, tantas vezes alardeadas e provocadoras de impugnações e improdutivos embates jurídicos.
A Justiça Eleitoral tem razões de sobra para acreditar que o eleitor não enfrentará dificuldades para votar no novo sistema. A máquina desenvolvida é muito simples e foi submetida aos mais exaustivos testes. De qualquer forma, em caso de pane incontornável, a votação se processará, sem percalços, na forma tradicional, com o uso da cédula de papel.
O ato da votação, em si, pode ser, ainda, motivo de preocupação dos mais pessimistas. Acreditamos, no entanto, que as ações de comunicação de massa desenvolvidas pelo Tribunal Superior Eleitoral expuseram, repetidamente, ao eleitor o novo processo de votação. Nos últimos e nos próximos dias, até a véspera das eleições, os programas de televisão de maior audiência nas classes C, D e E -aquelas que, pressupõe-se, terão maior dificuldade- estarão veiculando mensagens, as mais didáticas possíveis, com o objetivo de esclarecer as derradeiras dúvidas do eleitor.
Candidatos e partidos políticos também são destinatários dos benefícios do novo sistema. Além da fidelidade do voto, todos poderão acompanhar, passo a passo, o andamento dos trabalhos de apuração e totalização. O voto de cada eleitor estará registrado em dois disquetes, um fixo e outro móvel, e, de um terceiro modo, registrado em papel e depositado em recipiente próprio, que também faz parte da máquina.
Com o objetivo de imprimir maior transparência ao processo, ao fim da votação é expedido um boletim de urna com o resultado do pleito na seção. Com isso, o processo de apuração dos votos completa-se em poucos minutos, eliminando etapas desgastantes.
São infundadas as suspeitas de alteração dos votos depositados na urna eletrônica. Essa possibilidade não existe. Os votos são registrados no disquete de forma cifrada, criptografada, e somente o juiz eleitoral sabe o código, a chave para o indispensável acesso e ordenação de novas ações. A Justiça Eleitoral está confiante e espera que os resultados finais da votação eletrônica sejam conhecidos no mesmo dia, sendo certo ainda que os usuários da Internet terão acesso a eles com segurança e rapidez.
Nessa grande empreitada que é a implantação, com sucesso, do novo sistema, todos devem estar engajados: os veículos de comunicação, cumprindo o dever primordial à preservação do Estado Democrático de Direito, que é o de bem informar; os partidos políticos e candidatos, como fiscais da legitimidade do certame, auxiliando a Justiça Eleitoral; e a sociedade, como um todo, exercendo, de maneira conscientizada, o direito cívico ao voto. Do sucesso dessa inovação depende, em muito, a extensão do voto informatizado à totalidade do eleitorado brasileiro.
Acompanhando o pleito do dia 3, estarão cerca de 30 observadores internacionais. São magistrados das Cortes Eleitorais de praticamente todos os países das três Américas, além de técnicos credenciados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, que atualmente analisa projeto do TSE visando ao financiamento total da informatização das eleições do ano 2000. Já nas eleições gerais de 1998, estamos certos, 70% dos nossos eleitores estarão usando o voto eletrônico.
O primeiro passo está sendo dado. A Justiça Eleitoral cumpre o seu papel, confiante de que tem o endosso de todas as forças políticas do país na busca do objetivo maior: o aprimoramento constante da democracia.

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, 50, ministro do Supremo Tribunal Federal, é presidente do Tribunal Superior Eleitoral e professor do Departamento de Direito da UnB (Universidade de Brasília).

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