São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 1996
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Cegueira seletiva

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Madrugada de 11 de agosto. Moema, bairro paulistano de classe média. Choperia Bodega -um bar da moda, frequentado por jovens bem-nascidos.
Um assalto. Cinco ladrões. Todos truculentos. Duas pessoas mortas: Adriana Ciola, 23, e José Renato Tahan, 25. Ela, estudante. Ele, dentista.
São Paulo recobriu-se de revolta. A atmosfera de indignação gerou o "Reage São Paulo". Foi um movimento vapt-vupt. Um espasmo. Durou pouquíssimo. A chama cívica do paulistano ardeu por dois escassos meses.
Minto. Na ponta do lápis, passaram-se 50 dias desde a tragédia do Bodega. Tempo bastante para que a indiferença ressurgisse do nada.
A prometida reação limitou-se, afinal, a duas ou três manifestaçõezinhas. Todas bem mixuruquinhas. O abraço à Assembléia, ápice do movimento, reuniu coisa de 700 pessoas.
Em ato simultâneo, Brasília levou às ruas, para pedir paz no trânsito, 7.000 pessoas. O paralelo é eloquente, visto que o brasiliense não é do ramo. Houve manifestações graúdas. Mas os manifestantes eram, por assim dizer, importados de outros Estados.
O faroeste prossegue em São Paulo. O sangue corre aqui como água de bica. Não há final de semana em que a violência não produza mais de 40 cadáveres.
A diferença é que são defuntos pobres. Frequentam outras tabas. São da tribo "deles". Jogam no time dos "outros". Não merecem um gesto, uma manifestação. São os sem-passeata.
São Paulo provoca nas pessoas um fenômeno curioso: a cegueira seletiva. O paulistano bem-posto tem olhos para a elegância, mas não enxerga a miséria à sua volta. Vê os cadáveres produzidos em Moema, mas dá de ombros para os corpos que tombam em Jardim Ângela.
Não se diga, por injusto, que São Paulo está inerte diante da rotina de violência. Um setor registra sólida reação: a indústria de grades, de porteiros eletrônicos, de alarmes.

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