São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 1996
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A reforma agrária é a única solução

DARCY RIBEIRO

O sistema econômico que estão implantando no Brasil tem duas características remarcáveis. Ambas tão intrínsecas a ele que são inarredáveis, apesar de sua evidente inconveniência social.
A primeira é sua propensão desempregatícia, agravada pelo dogmatismo dos que formulam e executam nossa política econômica, mais atentos a doutrinas que a coisas. A segunda característica é sua arraigada irresponsabilidade social, que faz seus gestores indiferentes aos danos que causam, por mais dolorosos que sejam.
Em consequência desses imperativos de uma política econômica que pretende alcançar o progresso para o povo brasileiro, ainda que o faça matando-o, uma profunda revolução social está ocorrendo sob nossos olhos.
É o Movimento dos Sem Terra, que se avoluma com o apoio da opinião pública e que realiza, no mundo das coisas, a Reforma Agrária que discutimos no mundo das idéias há mais de um século. Sempre considerada indispensável, mas também irrealizável por nossa impotência para reformar uma estrutura latifundiária imposta pelos donos de metade do Brasil.
O MST conseguirá em breve assentar em lotezinhos de 20 a 30 hectares 200 mil famílias. Mas o mínimo necessário para fazer face ao desemprego imposto pelo sistema econômico é de 1 milhão de famílias, que reivindicam o simples direito de trabalhar com suas mãos numa terra sua, para dar de comer a seus filhos e livrá-los da criminalidade e da prostituição.
As famílias já assentadas custaram muito dinheiro ao governo pelo medo que ele tem dos latifundiários, que obrigam cada desapropriação de terras improdutivas a se fazer como uma negociata altamente lucrativa para seus supostos donos. O preço global das desapropriações necessárias, se feitas pelos critérios presentes, alcançará somas astronômicas, que o governo não terá como custear.
A compulsão de pagar altos preços por terras em situação de ilegalidade, porque incultas, se deve também à institucionalidade fundiária brasileira, ainda que ela seja passiva de leituras alternativas com critério de maior responsabilidade social. Deve-se também à estreiteza da justiça ordinária, que, não sabendo como tratar essa matéria, mais facilmente aprova espoliações de recursos públicos por razões formais do que atende ao reclamo de milhões de brasileiros.
Tudo isso ocorre numa situação já conflitiva, e que tende a sê-lo cada vez mais. Agora não se poderá convocar as Forças Armadas para matar lavradores alçados, mas as polícias públicas e particulares já o estão fazendo valentemente, e, se seus mandantes não forem contidos e punidos com energia, se generalizará a matança.
Recordo aqui que a Reforma Agrária não é problema. É a única solução que se oferece para o mais grave desafio brasileiro, que é ocupar e dar emprego aos milhões de pessoas que estão sendo excluídas e marginalizadas pelo sistema econômico.

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