São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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'Crede-Mi' lança Bia Lessa como cineasta

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA, NO RIO DE JANEIRO

Pequena, magra e delicada ao extremo, a diretora e atriz Bia Lessa encobre na aparência uma força criadora sobre-humana.
Depois da carreira iniciada, em São Paulo, como atriz de Antunes Filho, ela recomeçou tudo, com sua mudança para o Rio, no início dos anos 80, onde acabou se consagrando como diretora. Agora, se lançando no cinema, Lessa arrisca tudo outra vez.
Diretora de espetáculos como "Orlando" e "Viagem ao Centro da Terra" e da encenação de óperas como "Don Giovanni", Bia Lessa tornou-se uma das referências da nova estética teatral brasileira no exterior.
Baseando a maioria de suas criações cênicas em obras literárias, a diretora sentia, no entanto, que seu trabalho estava se distanciando da vida real, tornando-se abstrato demais para conseguir "entender a alma humana".
Ao lado do ator e músico Dany Roland, companheiro na vida e no trabalho, Bia Lessa resolveu transpor a linguagem épica do escritor Thomas Mann, no livro "O Eleito", por meio de workshops com cidadãos do interior do Ceará.
Viajando durante 19 dias, com uma câmera de vídeo na mão e sem idéias preconcebidas na cabeça, Bia e Dany pensavam apenas em documentar a experiência para depois criar um espetáculo teatral.
Resultado: a vida falou mais forte. Quando reviram o vídeo, perceberam que ali estava, pronto, o material. Em vez de convocar atores para então fazer uma peça, levaram o conteúdo diretamente à Riofilme, que se dispôs imediatamente a patrocinar "Crede-Mi".
Em junho, o casal foi para Los Angeles kinescopar o material, transcrevendo-o da linguagem do vídeo para o cinema.
"Crede-Mi" estréia no Espaço Unibanco do Rio em 10 de janeiro. Em março é lançado em circuito nacional. Bia Lessa e Dany Roland receberam a Folha em seu apartamento, em Santa Teresa. Ela fala sobre sua experiência inédita.
*
Folha - Como começou a idéia de fazer cinema?
Bia Lessa - Não foi nada premeditado. Senti que estava começando uma grande revolução na minha vida. O teatro te leva forçosamente a um pensamento metafórico. A literatura sempre me alimentou até que senti um esgotamento dessa abstração. Quando me deparei com o livro "O Eleito", de Thomas Mann, senti que ali estava uma obra sobre o cerne da vida, um épico sobre as tradições. Percebi que o caminho, agora, seria buscar a tradução dessas tradições não numa abstração criada, mas na própria vida dos homens.
Folha - Como a obra de Mann permitiu chegar perto da vida?
Lessa - Só passei por uma outra revolução como essa em 1989, na época em que encenava "Orlando", com Fernanda Torres. Num momento em que a protagonista passa por uma tristeza profunda, Fernanda só conseguia rir, porque tem uma personalidade irônica.
Então, em vez de tentar forçá-la a chorar, resolvi aproveitar a verdade de sua reação. A cena acabou ocorrendo com ela rindo muito, enquanto uma tonelada de terra caía do teto sobre sua cabeça.
Agora vejo "O Eleito". O livro fala de um casamento entre irmãos que gerou dois filhos. Um deles se casa com a própria mãe e acaba se tornando papa. Fala da essência da vida, da fé. É um épico. Percebi que precisava buscar essa essência da história na própria vida.
Folha - E essa escolha multicultural, de levar uma história alemã para o interior do Ceará?
Lessa - Na busca das tradições, já tinha ouvido de Violeta Arraes, reitora da Universidade de Crato, sobre a riqueza do interior cearense. Nessa nossa era é preciso exercitar essas noções de traduções culturais. Cidades como Crato e Juazeiro têm uma produção e uma noção de interdisciplinaridade artística sofisticadíssimas.
Folha - Como você e Dany Roland organizaram os workshops e como foram juntando as cenas do filme?
Lessa - Tivemos patrocínio inicial do governo do Ceará para fazer esses workshops. Em alguns lugares, como em Crato, apareceram de repente mais de 180 participantes numa noite. A gente trabalhava com pessoas entre 4 e 80 anos, o que realçava essa diversidade com que queríamos lidar.
Por exemplo, um velhinho, que veio se apresentar a nós como sendo um dos irmãos Aniceto, começou a contar sua vida para nós como se ela fosse bíblica, em tom épico. Ele mentia, inventou essa história para conversar conosco. Resolvemos colocar sua narrativa, de tão comovente, no início do filme.
Folha - Como foi realizado o longa-metragem?
Lessa - Basicamente, a partir de uma radicalização de linguagem. Quando chegamos em Fortaleza e revimos o vídeo, percebemos que podíamos abrir mão daquele material como documento e transformá-lo na própria narrativa.
Folha - Com esse processo vocês parecem inaugurar uma nova forma de fazer cinema no Brasil.
Lessa - O filme acabou sendo estruturado posteriormente. Muita gente tem nos telefonado para saber como pudemos gravar em vídeo e kinescopar o trabalho, passando para o cinema. Eu e Dany fazíamos tudo, eu filmando com a hi-8, ele me segurando nos barrancos, fazendo o som, fotografando. Às vezes trocávamos de lugar. A decisão foi a kinescopagem em Los Angeles, por ser mais barato. Ao todo, excluindo a divulgação, o filme custou R$ 100 mil, o que é muito barato.

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