São Paulo, terça-feira, 7 de janeiro de 1997
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Nem pelas aparências

JANIO DE FREITAS

A permanência do governador Eduardo Azeredo "em férias" no exterior, quando as chuvas despejam a tragédia sobre Minas, é uma insolência que não decorre só de traços pessoais do turista em questão. É obra também de um gênero de visão cada vez mais difundido nos políticos e cujas características são, em síntese, a mentalidade tecnocrática e sua consequência inevitável, a insensibilidade para a dimensão humana.
Já se tinha visto que nem mesmo a mineiridade e a mineirice foram antídotos para a inoculação da tecnocracia na política, pela contaminação por esta espécie de Aids das mentalidades que é o economicismo -regra e patologia maior dos neoliberais, que concebem o fator econômico como predominante sobre o fator humano. Mas o êxito virótico na Minas dos peessedebistas vai ao assombroso: nem ao menos o vice-governador voltou a Belo Horizonte para assumir a interinidade e salvar as aparências, já que a salvação de vidas não está nas cogitações da modernidade que assola o país.
Solução bíblica
A teoria do lavar as mãos, passando o problema para os Estados e municípios, predileta em numerosos setores do governo, a começar do Comunidade Solidária, estende-se àquela que resistira e mantivera incólume o reconhecimento da sua responsabilidade: o Ministério da Saúde.
Consta, e faz todo sentido, que por sugestão do ministro da Educação, economista Paulo Renato Souza, o novo ministro da Saúde decidiu se livrar do abacaxi que é a fiscalização das Autorizações de Internação Hospitalar. Por método semelhante ao da Educação: em vez que fiscalizar e pagar as AIHs, repassa as verbas aos municípios e que eles arquem com as tarefas e os escândalos.
Não se trata, está claro, de resolver o problema das AIHs, mas de transferi-lo e fingir para a população que o governo federal nada tem com ele. O critério para tanto não é menos comprometedor: a verba geral será repassada aos municípios segundo o número de habitantes de cada um.
A incidência de males que exijam internação não tem, no entanto, relação direta necessariamente direta com a demografia regional. Fatores locais -econômicos, ambientais, endêmicos, epidêmicos- são, eles sim, os influentes na necessidade regional de internações ao longo do ano. Como não se pode imaginar que tamanha obviedade não tenha ocorrido ao ministro Carlos César de Albuquerque, sua novidade de estréia não é propriamente animadora.
Sem preocupações
Eldorado do Carajás, outra vez. Vinte tiros em dois posseiros, por jagunços em terras de propriedade reivindicada por empresários paulistas. Que não se preocupem eles, porém. Nem os assassinos de aluguel. O que acontece por aqueles lados de Eldorado do Carajás ainda não é alcançável pelo Direito Penal e pela Constituição.
É área só da impunidade bem protegida em Brasília.
Não existo mesmo
Em carta motivada pelas duas notas sobre a aversão do censo demográfico à minha existência, o presidente do IBGE, Simon Schwartzman, sustenta que um recenseador procurou-me em casa, o que já publiquei, e não me encontrou, o que também não é novidade. Especula, então, "que ele tenha obtido a informação de um empregado ou vizinho", o que não aconteceu, nem qualquer dos citados teria motivo para inventar dados a meu respeito, o que poderia ocorrer, porém, aos que recebessem por cada entrevista feita.
A explicação satisfatória vem, no entanto, a seguir: "Quando nem o recenseador nem o supervisor conseguem nenhuma informação sobre uma residência, a própria residência é contada, e é feita uma estimativa a respeito dos moradores das residências fechadas, a partir do que sabemos das abertas". Não sou sociólogo, como Schwartzman, nem estatístico ou economista, Deus me livre, mas estimar até data de nascimento parece, à minha ignorância diametral, de uma pretensão alucinada. E foi até falsa data de nascimento que vi no papelucho com a "informação estimada" a meu respeito.
A ser estimado assim, e não pelas estimas que aprecio, prefiro continuar como cidadão inexistente na população brasileira.

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