São Paulo, terça-feira, 7 de janeiro de 1997
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Não basta

ANDRÉ LARA RESENDE

Em artigo da semana passada aqui na Folha, José Genoino sustenta que há hoje duas correntes no PT: a esquerda democrática e a esquerda tradicional.
Enquanto a primeira procura dar conteúdo positivo à ação do partido e apresentar propostas alternativas, a segunda pratica uma política de negação e concentra-se na crítica ao fantasma do neoliberalismo.
Faço um parêntese para citar outro artigo recente: o de Bolívar Lamounier no último número da revista "Exame". Segundo ele, apesar das inúmeras previsões do fim iminente das ideologias, os termos direita e esquerda continuam insubstituíveis na designação dos políticos e dos partidos. Bolívar cita Norberto Bobbio e seu ensaio recente, segundo o qual os conceitos de direita e esquerda continuarão válidos enquanto as sociedades forem dilaceradas por conflitos de distribuição de renda e riqueza. Terão, portanto, vida longa, se é que não eterna.
É, todavia, a tese do antropólogo americano Clifford Geertz que Bolívar Lamounier subscreve. As ideologias são mapas cognitivos, conjuntos estruturados de interpretações e símbolos que ajudam as sociedades a compreender seu ambiente, sua história e os problemas que enfrentam. Entendidas como referenciais coletivos, as ideologias e as classificações de direita e esquerda, conservador e progressista continuarão a existir e a fazer sentido.
Observe-se, por exemplo, as denominações escolhidas por Genoino para as duas correntes de seu partido: são ambas "esquerdas", mas aquela com a qual ele se identifica é "democrática", enquanto aquela à qual ele se opõe é "tradicional". O uso da retórica na classificação dos campos é da essência do debate político.
A possibilidade de demarcar com clareza a linha entre as teses progressistas e as teses reacionárias é que desapareceu. Hoje é preciso dar conteúdo e apresentar propostas mais específicas para comunicar efetivamente uma visão de mundo.
Essa é exatamente a proposta de José Genoino para o PT. Não basta esbravejar contra o "neoliberalismo" e "isso tudo que está aí" com um discurso vazio de conteúdo e de alternativas.
Genoino vai adiante: não basta declarar-se pela defesa da soberania nacional e do patrimônio público, contra a privatização da Vale e pela defesa dos serviços públicos universais. O risco é cair no mero corporativismo. Há algo mais conservador? A pergunta é por minha conta, antes que me acusem de deturpar o argumento de Genoino.
Segundo ele, a formulação de propostas concretas é a melhor forma de combater a política de reformas neoconservadoras que mantém intacto o pacto de dominação das elites e de exclusão social. O PT, incapaz de apresentar um programa de esquerda de redefinição do papel do Estado, foi levado a uma situação que dá margem à acusação de defensor do statu quo.
Genoino é deputado federal pelo PT e foi líder do partido na Câmara. Assim ele aparece qualificado ao pé do seu artigo, mas eu, por mim, não consigo dissociar seu nome da bela foto, recentemente divulgada, do jovem ativista de esquerda acorrentado pelas forças do regime militar.
Faço votos, sinceros, para que os homens de boa vontade sejam capazes de formular alternativas concretas para acelerar o fim da exclusão social, mas desconfio que -mais do que nunca- autodenominar-se esquerda democrática também não basta.

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