São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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Dois casos únicos

JANIO DE FREITAS

Desde segunda-feira, as atividades propriamente administrativas de Fernando Henrique Cardoso estão retiradas de sua agenda, para que ele possa dedicar toda a semana a transações com a finalidade de adquirir apoios de deputados ao projeto de reeleição. Não esperou completar-se nem uma semana desde suas afirmativas, em Fernando de Noronha, de isenção quanto ao projeto e de recusa às barganhas que "sujariam sua (dele) biografia".
Exceções marketeiras serão intervalos bem-vindos na dedicação às transações, mas insuficientes para disfarçar a evidência de que acontece, na relação entre um presidente da República eleito e o Congresso livre, um momento de sordidez e desonestidade que tem um só equivalente histórico (e moral) -a compra do mandato espichado de José Sarney.
A bem dizer, o nome do Congresso entra aí pelo que se passa, sobretudo, em uma de suas partes, a Câmara dos Deputados, que perdeu sua função institucional de poder independente do Executivo e voltou, por obra dos seus próprios dirigentes, à condição servil que teve no regime militar. Em nenhum período de regime civil foi visto, como na atualidade, um presidente da Câmara sempre correndo ao presidente da República para articular, como se representasse um punhado de deputados e não um Poder da República, manobras que aviltam a política e o Congresso.
Nem com tudo isso é o caso de acreditar na certeza numérica, seja dos que estão a serviço da reeleição, seja dos seus adversários. Quanto aos primeiros, o fato só de que Fernando Henrique precise desdobrar-se ainda, depois de tudo o que já fez no último ano, para adquirir apoios parlamentares, é indicador insuspeito de que os reeleitoreiros não fizeram ainda as conqui$sta$ em quantidade suficiente. O mesmo se deve dizer da ofensiva (em todos os sentidos da palavra) de Sérgio Motta, seja na operação aquisitiva, seja sobre jornalistas de chapa oficial, para que divulguem a (fantasiosa) maioria já obtida por Fernando Henrique.
Os adversários, por sua vez, não têm as certezas que procuram aparentar. Há muitos deputados no muro ou no jogo duplo. Mesmo em relação aos adversários declarados da reeleição, seria temerário desconsiderar o efeito que costumam ter, na maioria absoluta dos deputados, os acenos de ofertas. Estas, na última hora, sempre mais e mais ofertantes. É isto mesmo, por sinal, que faz a perspectiva da aprovação em benefício de Fernando Henrique, embora não haja ainda motivo para afirmá-la ou negá-la.

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