São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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Manual dos tolos

GILBERTO DIMENSTEIN

Há 12 anos o Brasil comprometeu-se internacionalmente: assinou convenção da ONU contra a tortura. Estávamos mentindo.
Desde então, quatro presidentes civis tomaram posse, dois deles eleitos diretamente, quatro legislaturas diferentes passaram pelo Congresso. Mas, até agora, o país sequer conseguiu aprovar lei punindo a tortura.
Para piorar, há fartas indicações de que a tortura praticada pela polícia se fortaleceu graças, em parte, à falta de um instrumento legal. A selvageria prospera devido ao descaso até mesmo de setores sensíveis à brutalidade policial durante o regime militar.
Uma das vantagens de viver num país rico é ver como os brasileiros se acomodaram com padrões de selvageria.
Imaginamos que colocamos um pé no Primeiro Mundo porque viramos atração de investimentos estrangeiros, as gôndolas dos supermercados estão repletas de produtos importados ou se dissemina acesso à Internet.
Eloquente sinal de como o Brasil segue o manual dos tolos da modernidade.
É algo semelhante aos índios que, encantados com espelhinhos, acreditavam estar diante de civilizações superiores.
*
Em 1994, o deputado Hélio Bicudo (PT-SP), enfrentando com sua habitual coragem o lobby da polícia, apresentou projeto punindo a tortura.
Durante o regime militar, ele se destacou pela luta contra os esquadrões da morte nos tempos em que violência policial ainda era assunto de intelectual.
Quando o Congresso tem, de fato, interesse num projeto, é capaz de aprová-lo literalmente em 15 dias. Só neste mês, quem sabe, talvez, o projeto de Bicudo seja votado no Senado.
Se os articuladores políticos do governo empregassem a favor do projeto contra a tortura 5% da energia que gastam na emenda da reeleição ele já estaria há muito aprovado. Do ponto de vista do fortalecimento da democracia, é mais importante o país acabar com a tortura do que prolongar o mandato do presidente.
*
Há quem imagine, insinue ou defenda que a polícia precisa da tortura para tirar informações de delinquentes. Algumas vezes, sabemos, para ficar com parte do assalto.
Mesmo que seja apenas para obter informação e punir responsáveis, é sinal de fragilidade. Bom policial investiga, não bate. Quanto mais respeitada a corporação -e não só temida- maior sua eficiência.
Os policiais de Nova York recebem, além das aulas de direitos civis, curso de boas maneiras. Mesmo assim, existem acusações de maus-tratos.
A diferença é que em NY eles são julgados pela Justiça comum. As vítimas ganham milhões nos tribunais e o culpado corre o risco de perder um emprego de US$ 3 mil mensais.
*
PS - Tenho oferecido por e-mail textos mais detalhados sobre a experiência da polícia de Nova York. Leitores reclamaram que os textos são em inglês. Devido à importância do tema (e graças aos leitores), a partir de hoje estão disponíveis em português.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail: gdimen@aol.com

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