São Paulo, quinta-feira, 9 de janeiro de 1997
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"Balé precisa de mais ousadia", diz Possi

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se aceitar o cargo de diretor artístico do Balé da Cidade de São Paulo, que a Secretaria Municipal de Cultura está lhe oferecendo, o diretor teatral José Possi Neto promete agitar os meios da dança na cidade.
"Recebi com bastante alegria o convite para dirigir o Balé da Cidade", disse Possi à Folha.
"Vivo um momento de vida e carreira em que não preciso me preocupar em provar mais nada para mim mesmo. Também não preciso aceitar um trabalho a mais. Esta situação me dá liberdade para retomar minha atuação junto à dança."
Possi ainda não sabe se haverá confirmação definitiva na segunda reunião que realizará hoje com Rodolfo Konder, Secretário Municipal de Cultura.
É certo, no entanto, que Konder está disposto a nomear Possi para o lugar de Ivonice Satie, que vem dirigindo o Balé da Cidade há quatro anos.
Segundo o secretário, a troca de profissionais tem como objetivo renovar a companhia de dança, um dos corpos estáveis mantidos pela Prefeitura.
Embora já tenha diretrizes básicas sobre sua possível gestão junto ao Balé da Cidade, Possi afirma que ainda precisa apresentar suas condições de trabalho ao Secretário, para então chegar a uma decisão final.
Por enquanto, ele adianta: "Cabe ao Balé da Cidade de São Paulo encabeçar um novo movimento de estímulo à dança, criando possibilidades de também revelar novos bailarinos e coreógrafos".
"Isso já vinha sendo feito, só que de maneira tímida. O Balé precisa ter mais pretensão e ousadia", completa.
Uma vez nomeado, Possi só iniciará concretamente suas atividades junto ao Balé da Cidade a partir de maio.
Até lá, estará envolvido com as estréias das peças teatrais "Salomé", protagonizada pelo ator Luis Melo, e "Inseparáveis", de Maria Adelaide Amaral, com Irene Ravache.
Leia a seguir trechos da entrevista que Possi concedeu à Folha na manhã de ontem.
*
Folha - Se for nomeado diretor artístico do Balé da Cidade, sua gestão se estenderá até o ano 2.000. Como você pretende preparar a companhia para a virada de milênio?
José Possi Neto - Não pretendo ser um diretor que luta apenas pelo cotidiano da companhia. Na realidade, gostaria de estimular o Balé da Cidade a assumir um papel mais provocador na sociedade.
Trata-se de uma companhia brasileira e paulistana, o que significa refletir a aglomeração universal de uma cidade que possui características tanto contemporâneas como provincianas e onde convivem milhões de contradições.
Temos que pensar nisso tudo para sinalizar algo em direção ao terceiro milênio. Isso não significa brincar de ficção científica ou apelar para modismos, que eu detesto e que só servem para empobrecer a dança.
Vivemos numa cidade onde há uma explosão de tendências. Uma delas é valorizar só o que vem de fora. Outra é achar que só é brasileiro o que vem do Nordeste do Brasil.
Acima disso, acho que será importante sintonizar o que é o Brasil hoje, um país que possui uma cultura extremamente diferenciada.
Folha - Quais seriam os primeiros passos nessa direção?
Possi - Primeiro é preciso dar um perfil mais definido à companhia e isso leva pelo menos dois anos.
Segundo, será necessário encontrar coreógrafos que possam direcionar um caminho.
Paralelamente, será fundamental lutar pelos direitos da companhia, para que ela tenha melhores condições de trabalho.
Folha - Você pretende estabelecer metas junto com o elenco?
Possi - Não quero chegar com uma receita na cabeça. Vou esperar o elenco chegar de férias, em fevereiro, para juntos avaliarmos condições e traçarmos objetivos comuns.
Será gratificante reencontrar bailarinos como Lilia Shaw e Monica Mion, que já me inspiraram muito, além de talentos mais novos, como Claudia Palma e Líris do Lago.
Folha - Como você vê a dança brasileira hoje?
Possi - Tivemos nos anos 80 manifestações estimulantes. A dança-teatro, apesar dos limites indefinidos entre as duas expressões, era realizada com mais vigor do que hoje, quando não se chega a lugar nenhum.
Acho que hoje as pessoas se contentam com pouco, e há algum tempo venho me preocupando com as lacunas da dança.
Não estou menosprezando grupos com trajetórias definidas, como o Corpo, Cisne Negro ou Stagium, que no entanto trabalham isoladamente.
O Brasil é um país essencialmente musical, possui talentos espontâneos, e não é possível falar de música sem falar de dança, que acaba ficando para trás por falta de subvenção. Dança não vive sem subvenção do governo em nenhum lugar do mundo.
Precisamos encontrar meios que permitam definir o perfil da dança brasileira.
Entre bailarinos e coreógrafos, é necessário desenvolver artistas com visão abrangente da encenação, ou seja, profissionais capazes de determinar as coisas e firmar suas assinaturas.

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