São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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CONFLITO DISTRIBUTIVO

A vitória do Plano Real tem, entre outras explicações, uma raiz nos debates travados nos anos 70 sobre a economia brasileira. Naquela época, o regime militar e jovens economistas da oposição, como Pedro Malan e Edmar Bacha, debatiam a questão da distribuição de renda.
Ficou célebre a explicação teórica da inflação brasileira como resultado de "conflitos distributivos". Os economistas gostam de trabalhar com "fatos estilizados" e, nos seus modelos, o conflito distributivo assumia a forma da indexação salarial.
A luta constante dos trabalhadores pela correção monetária dos salários propagava e perenizava a inflação, tornando-a "inercial". Praticamente duas décadas de muitos debates e várias tentativas de desindexação depois, a inflação inercial mostra-se hoje totalmente debelada.
Ninguém espera, num horizonte de curto prazo, desvalorização cambial brutal ou correção geral de tarifas públicas (os famosos "tarifaços"), nem pressões terríveis de sindicatos por reposição de perdas. Câmbio, tarifas e salários estão "normatizados". A regra exclui a indexação.
Pode-se então dizer que os conflitos distributivos foram resolvidos na sociedade brasileira? Longe disso. A indexação, vale recordar, era apenas uma forma entre outras de institucionalização da guerra por maior participação na renda e na riqueza.
Os conflitos fundamentais, ditos estruturais, continuam em evidência e assumem outras formas.
Há vários exemplos de fenômenos que expressam esse impasse distributivo. A dificuldade de reformar o Estado, a necessidade de manter juros ainda elevados para financiar um déficit público, as incertezas quanto à sustentação da taxa de câmbio no médio prazo são exemplos.
A necessidade de ajustes tarifários para viabilizar a privatização em setores-chave, como telecomunicações e energia elétrica, e mesmo indicadores como despesas com educação ou aluguéis também sugerem que muito ainda está por resolver.
A estabilidade de preços ainda enfrentará muitos testes numa sociedade cujos conflitos distributivos continuam irresolutos. Estão em jogo, aliás, a distribuição tanto do poder econômico quanto do político.

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