São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 1997
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John Wayne

JOÃO SAYAD

No final do ano saíram artigos importantes sobre a questão mais delicada do Plano Real -o déficit do balanço comercial.
Celso Pinto apresentou com clareza os resultados do trabalho do professor Pastore: o déficit comercial depende do nível de atividade interna e da taxa de câmbio. Em 1997, pode chegar a valores entre US$ 8 bilhões e US$ 12 bilhões.
O trabalho da professora Eliana Cardoso não faz previsões sobre o déficit comercial, mas alerta que a entrada de capitais estrangeiros sob diversas rubricas (investimento direto, em porta-fólio de ações ou em renda fixa) tem volatilidade muito parecida, quer dizer, entram e saem com igual facilidade.
Não importa que o dólar tenha entrado no país para plantar soja ou produzir automóveis. O dólar passará das mãos do investidor estrangeiro para o vendedor de sementes de soja ou para o arquiteto projetista da fábrica de automóveis.
O novo dono do dólar terá sempre a oportunidade de decidir se aplica no Brasil ou se manda para o exterior, dependendo da taxa de câmbio, dos juros e da perspectiva de desvalorização cambial, da mesma forma que o dólar que entra para investimentos especulativos. Dólar é dólar, dinheiro, líquido e livre para se movimentar.
Os dois trabalhos se referem à política fiscal. Afirmam que o problema do financiamento do déficit em transações correntes (conseguir dólares para financiar a diferença entre o pagamento de importações e juros e as exportações) seria menos grave se o governo estivesse produzindo superávits fiscais.
O professor Pastore aponta em outros trabalhos que boa parte do déficit fiscal resulta simplesmente da política de juros altos, praticada para atrair recursos financeiros do exterior.
E pensando com cuidado: como será possível que cortando despesas do governo (que não os juros pagos na dívida interna, que são altos apenas para atrair dólares) aumentaremos as exportações ou diminuiremos as importações? Só se for por meio da redução geral do nível de atividade, quer dizer, vendas, produção e emprego.
Mas, neste caso, deveríamos discutir: o corte prioritário deveria ser a verba de estradas e segurança ou os gastos de consumo das famílias com bens de consumo duráveis?
Além dessa dificuldade, como esperar que o governo consiga cortar as despesas? Falamos sobre este assunto desde 1974, há 22 anos. Produzimos superávits primários (despesas correntes, excluídos os juros, menores do que a arrecadação) há pelo menos cinco anos, e ainda não deu certo.
Não acredito que o déficit seja cortado ainda mais, nem que, se fosse cortado, ajudaria a aumentar as exportações.
Sobram então duas alternativas: corte de crédito e aumento das taxas de juros, por um lado, e correção do câmbio, de outro lado.
Em outro artigo, Celso Pinto comparou as taxas de desvalorização cambial com a inflação brasileira e a inflação norte-americana. Pelas contas que apresenta, o câmbio pode estar sendo suavemente desvalorizado. Mas a diferença entre os índices é pequena.
O índice de custo de vida da Fipe subiu 9,86%, enquanto o Índice de Preços por Atacado subiu 3,86% para a indústria e 16,97% para a agricultura.
Um índice sobe rápido, porque reflete aluguéis, escolas e salários, produtos que não são afetados pelo câmbio ou pela concorrência internacional.
Outro sobe devagar, porque o câmbio sobe devagar e a concorrência internacional impede preços mais altos.
Com diferenças tão grandes entre diversos preços, o índice geral, a média, pode ser enganosa para que se possam fazer afirmações sobre pequenas diferenças entre desvalorização cambial ocorrida e a necessária.
Sobra então a alternativa mais complicada: desvalorizar o câmbio. Quando e em quanto?
Economistas podem ajudar muito pouco neste assunto. Este tipo de decisão só pode ser analisado com os critérios de um jogador de pôquer com cacife limitado.
Você tem um par de oito (perspectiva de déficit comercial de US$ 8 bilhões) e cacife de US$ 60 bilhões (as reservas). Aposta na mesma política cambial ou arrisca?
Mais tarde, as opções podem ser diferentes -um par de 12 (US$ 12 bilhões de déficit comercial) e cacife de US$ 30 bilhões (reservas de US$ 30 bilhões).
Quando é mais conveniente mudar o câmbio? Quando é inevitável ou quando é evitável?
A decisão é muito arriscada. Mais difícil ainda se considerarmos a emenda constitucional da reeleição e a própria eleição em novembro de 1998.
É preciso olhar bem nos olhos dos outros jogadores, acender um cigarro, dar uma tragada profunda, jogar a fumaça para o alto, virar rápido um gole de uísque, observar com cuidado quem entra pela porta do "saloon" e manter o olhar frio e o sentimento de onipotência de um John Wayne nos seus melhores momentos. E apostar na sorte.

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