São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 1997
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Italianos fica debaixo da saia da mãe

Homem de 30 vive com pais

ANDREW GUMBEL
DO "THE INDEPENDENT"

Maurizio Sole, 35, é um arquiteto cujas perspectivas profissionais parecem boas. Com dez anos de experiência profissional, incluindo uma fase estudando e trabalhando em Barcelona, está subindo rapidamente numa prestigiosa firma de arquitetura em Roma e já tem três livros publicados.
Não é o tipo de pessoa que se imaginaria como um temeroso de abrir caminho sozinho no mundo. No entanto, Maurizio, como cada vez mais italianos de sua geração, vive em casa, com sua mãe.
É ela quem faz supermercado, cozinha, lava roupa, paga as contas da casa e cuida de todos os monótonos afazeres domésticos. À noite, a mãe o espera acordada e, de manhã, se levanta cedo para preparar seu café da manhã. Chega a preparar jantares para os amigos -apesar de seus 70 anos.
A história soa como aquele batido clichê italiano -o filho mimado que tem dificuldade em escapar das garras da mãe dominadora.
Hoje em dia, entretanto, esse fenômeno está virando uma verdadeira epidemia na Itália, e não apenas pelo fato dos homens italianos serem incuráveis "filhinhos da mamãe". Segundo pesquisa recente, 50% dos homens de 29 anos ainda vivem na casa dos pais, e a porcentagem aumenta a cada ano.
"Não é que eu não queira sair de casa, é que essa opção simplesmente não existe", diz Sole.
Ele pode estar se saindo bem como arquiteto, mas ganha pouco -mais ou menos o equivalente ao que recebe uma secretária em regime de trabalho temporário. E, como os funcionários temporários, é pago por hora de trabalho.
A Itália pode ser um país rico, mas também é extremamente paternalista. Isso significa que qualquer pessoa com menos de 40 anos, sejam quais forem suas qualificações, é vista como "jovem" a serviço e à mercê da geração mais velha, que manda em quase tudo.
"O que posso fazer? Eu poderia encontrar um pequeno apartamento no subúrbio, mas, após pagar o aluguel, não me sobraria dinheiro para comprar roupas ou os livros de que preciso para o meu trabalho, sem falar nos pequenos prazeres da vida. Sei que viver com a minha mãe é uma opção um tanto egoísta, mas é muito prático."
Os arquitetos talvez sejam os profissionais liberais mais prejudicados na Itália. Mas o que vale para eles também se aplica a acadêmicos, jornalistas, médicos e funcionários públicos, para falar só do grupo social privilegiado da classe média instruída e empregada.
O desemprego de jovens é uma praga que assola cerca de 30% da população, sendo que em algumas partes do país atinge 60%.
Some-se a isso a crise habitacional nas grandes cidades, uma recessão econômica que se arrasta há cinco anos e a perspectiva de mais aperto de cintos, agora que a Itália se esforça para se enquadrar nas exigências para a União Monetária européia, e o resultado é uma receita de mal-estar social.
Nessa cultura nacional profundamente voltada à família, o primeiro refúgio para o qual muitos jovens se voltam em momentos de dificuldade é a casa dos pais.
E isso implica não apenas dependência crescente da vida com a "mamma", mas também em queda drástica no número de casamentos, fato ainda mais chocante neste país com um dos mais baixos índices de natalidade da Europa.
"Às vezes acho que este país caminha para um colapso de grandes proporções", diz o historiador italiano Paul Ginsborg, que leciona na Universidade Européia em Fiesole, perto de Florença. "Tenho tantos alunos inteligentes que simplesmente não têm futuro nenhum, não têm para onde ir."
O Estado passa por uma crise de proporções gigantescas, resultado de anos de má gestão, corrupção e perdularismo que o governo hoje luta para controlar.
Em épocas anteriores, os exames de admissão ao funcionalismo público eram fraudados, visando garantir empregos para os defensores fiéis dos partidos políticos.
Até isso mudou. Num exame recente de admissão ao Ministério de Finanças, 2 milhões de candidatos concorreram a 200 vagas.
Quer tenham emprego, quer não, os jovens quase sempre dependem de seus pais. Se tiverem sorte e seus pais tiverem dinheiro, podem viver em algum imóvel secundário pertencente à família, livres de pagar aluguel. O mais comum, entretanto, é que acabem dormindo na mesma cama que ocupavam quando crianças.
"Não há empregos no funcionalismo público nem na polícia, e até os salários pagos para o tipo de trabalho temporário que eu faço estão caindo sem parar", afirma Massimiliano Cristofari, 32, que já trabalhou na construção civil e em uma emissora de rádio, mas hoje está desempregado. "Este país me deixa mal. Aqui não existe paz."

Tradução de Clara Allain

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