São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 1997
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Esqueletos podem ganhar corpo

RONALD QUEIROZ

Ao pôr em dúvida a eficácia da medida provisória que estende ao Nordeste o regime de incentivos à implantação de montadoras de veículos, a Folha (20/12/96) proclama o abandono pelo governo da União da política de desenvolvimento regional. O esvaziamento da Sudene teria reduzido a grande agência coordenadora da industrialização do Nordeste ao papel de uma sub-repartição pública ordinária.
Em consequência, frustram-se os projetos incentivados, que, concretamente, se transformam numa moldura de "esqueletos" de fábricas, abandonados à margem das rodovias nordestinas.
É uma metáfora, sim, mas de enorme contundência como símbolo persuasivo. Por isso vale aplicar ao caso alguns critérios de avaliação conjuntural, com vistas ao esclarecimento dos que não atentaram para a história desse longo processo de industrialização ainda incompleta.
Não se podem esconder os insucessos na trajetória da industrialização regional. Fábricas inconclusas, investimentos equivocados, grupos empresariais ainda incipientes demarcam uma intermitência de malogros e desperdícios na esteira do processo. Esse fenômeno, entretanto, não é regra geral. Daí as estatísticas do crescimento industrial do Nordeste exibirem taxas superiores às médias nacionais.
Ademais, há uma tendência recente à revitalização de indústrias aparentemente mortas ou à substituição, nos prédios abandonados, das plantas decadentes por novos empreendimentos no mesmo ou em outros ramos da manufatura. Nesse caso, muitos esqueletos podem ganhar corpo.
A que atribuir, entretanto, a interrupção ou até o abandono desses projetos? De início, cabe excluir a Sudene da responsabilidade pelo monitoramento da industrialização regional.
Embora o Plano de Ação estabelecesse a "intensificação dos investimentos industriais" como uma diretriz que teria por objetivo "criar no Nordeste um centro autônomo de expansão manufatureira", a malha industrial da região cristaliza toda uma experiência ou inexperiência da iniciativa privada com o peso dominante da grande empresa nacional ou com a participação de investidores forâneos.
A idéia dos incentivos fiscais com recursos deduzidos do Imposto de Renda foi introduzida na lei do 1º Plano Diretor por iniciativa do Congresso Nacional. A exaltação da livre empresa no planejamento indicativo dos governos militares pós-64 levou a Sudene a uma posição homologatória dos projetos privados, concebidos segundo a lógica dos mercados na visão dos empreendedores ou de suas consultorias com influência na intimidade da tecnocracia estabelecida.
Caberá à pesquisa acadêmica a crítica sistemática das razões para os insucessos. Não seria fora de propósito, entretanto, sugerir que estes ocorreram em vários ciclos temporais.
Num primeiro momento, quando sobraram recursos, era flagrante o desinteresse da grande indústria pelo Nordeste como mercado de consumo ou de fatores produtivos.
Por outro lado, as matrizes tecnológicas "internalizadas" pelo capital nacional não continham àquela época a informação suficiente para os empreendimentos precursores. Excetuam-se alguns complexos liderados pelo Estado e por capitais externos, alheios à política regional de desenvolvimento.
Casos serão citados de equívocos por inadequação tecnológica, provocando desperdício de recursos públicos e privados em projetos conduzidos pelo capital nacional. Na medida em que os recursos foram escasseando, os prazos de implementação se dilataram de tal forma que algumas plantas, antes de concluídas, tornaram-se obsoletas.
O quadro atual, contudo, não pode ser avaliado a partir dos eventos do passado. A globalização acelera o tempo histórico e reconstitui a paisagem. A avaliação das oportunidades ultrapassa os padrões geográficos das virtudes locacionais inspiradas na dotação de vantagens provindas da configuração natural.
Hoje, quando a questão industrial ultrapassa os horizontes microeconômicos da acumulação, concepções pioneiras sobre a distribuição da atividade industrial no país, animadas pela expectativa de uma racionalidade macrogeográfica, começam a reconquistar uma nova roupagem, sob a regência dos capitais privados, em busca de uma nova acomodação no espaço continental do Brasil.
A reorientação para o Nordeste de ramos industriais como o têxtil, o de couro e calçados, o de confecções, o de insumos naturais ou sintéticos conquista o pleno reconhecimento dos empreendedores.
É pena que -ainda a denúncia da Folha- a Sudene veja subtraídos de sua efetiva competência os meios estratégicos indispensáveis à coordenação desse processo. Os governos estaduais, com recursos depauperados, tentam compartir com os empresários as decisões de investimento.
Há o risco, porém, de que as bases regionais da industrialização e do desenvolvimento cedam passo a um perfil maquiado do antigo federalismo, até o ponto de admitir-se a não-necessidade de uma agência do porte da Sudene, como organismo federal, para o desenvolvimento da região.

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