São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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Bucicleide agora deu para fornicar na Internet

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Tenho lá minha culpa no cartório. Há mais de um ano, feito um dos personagens do filme "Denise Está Chamando", me aninhei dentro de casa. Hoje, além de enviar meus escritos à Folha via computador, uso fax, telefone e modem para fazer tudo. Desde compras e pedidos de comida japonesa até transações bancárias.
Só para dar uma idéia, pelo telefone 816-0030 do Vip Delivery efetuo o pagamento das minhas merrecas prestações e ainda mando buscar e trazer as mais variadas encomendas.
A única coisa que me tira de casa é meu "personal trainer", o cão Pacheco, que me obriga a levá-lo para caminhar.
Tenho consciência de que meu isolamento do mundo palpável tem uma pitada de neurose de guerra, mas ergo as mãos aos céus toda vez que me dou conta de que, naquele dia, meu carro não ficou atolado em nenhum alagamento, eu não fui assaltada, não tive de pagar estacionamento, de usar a caríssima linha celular nem de compartilhar aquela culpa com outros motoristas diante do espetáculo de menores pedindo esmola no farol. Sem contar o privilégio de poder optar por trabalhar, se me der na telha, de topless no verão e pantufas no inverno.
Uso e abuso da tecnologia, mas ainda não cheguei às raias da loucura, como minha amiga Bucicleide. Segunda, Buci baixou na minha casa com uma amiga: "A sala de sexo vive cheia, você precisa me ajudar". Para quem não conhece o jargão, eu explico: no servidor da Folha o usuário da Internet pode bater papo em salas de até 20 pessoas, divididas em temas como "sexo" ou "brasileiros no exterior".
Ocorre que Buci, digo, Cleide, nem computador tem, mas se engajou em uma suruba cibernética. Não é que minha desmiolada amiga anda usando da escrava para se comunicar com usuários da sala de sexo? Diz ela que namorar e teclar o computador simultaneamente é arte que requer certo rebolado. "Não consigo fazer os dois ao mesmo tempo e recorri à minha amiga aqui. Mas, como a sala esteve cheia a noite toda, viemos pedir sua ajuda, afinal, você trabalha na Folha." Me neguei, claro. Especialmente depois de ouvir de Buci que ela anda marcando encontros para conhecer pessoalmente seus "parceiros". Não existe, de fato, solidão pior do que aquela a dois. Dois desconhecidos, diga-se.

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