São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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Neoliberalismo e contrato temporário de trabalho

LAURO CAMPOS

Foi aprovado na Câmara dos Deputados, com margem mínima de votos, projeto de lei que institui o contrato de trabalho por tempo determinado. Trata-se, sem dúvida alguma, caso venha a se concretizar, de um dos mais duros golpes contra a classe trabalhadora nas últimas décadas no Brasil.
O projeto irá ao Senado. Se aprovado, será mais um elemento de redução de salários e desarticulação dos trabalhadores, uma vez que os empregadores terão o recurso fácil à substituição de parcela de seus empregados por mão-de-obra temporária, por natureza mais vulnerável a imposições relativas a salário e condições de trabalho.
Todos sabemos que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado para substituir a perigosa estabilidade no emprego. Agora, com o contrato temporário, o percentual de recolhimento do FGTS cai de 8% para 2%. Não sobrou nem uma coisa nem outra.
Caem a obrigação de pagar o aviso prévio, a multa de 40% sobre o FGTS e a estabilidade provisória em virtude de gravidez e de exercício de mandato sindical.
As horas extras exigidas do trabalhador poderão ser compensadas em prazo de até um ano, quando a legislação atual estabelece o limite de uma semana.
Afirma-se que o Brasil precisa adaptar-se ao novo quadro da economia mundial, ser mais competitivo, reduzindo o chamado "custo Brasil".
Ora, até mesmo o insuspeito sociólogo Alain Touraine, amigo do presidente FHC, reconhece que a globalização é o nome atual do fenômeno que antigamente se chamava de imperialismo.
Nós, brasileiros, temos fama de ser um povo ordeiro, pacífico e conciliador. Eu diria, então, que nossas elites políticas e econômicas têm levado essa fama ao paroxismo, demonstrando estrita obediência -seria melhor dizer submissão- aos ditames dos países cêntricos e do FMI. Estamos seguindo, ponto por ponto, a cartilha que nos é ditada:
a) Ao promover a privatização do patrimônio construído com o suor do trabalhador brasileiro.
b) Ao perseguir o equilíbrio orçamentário -cortando gastos em áreas absolutamente prioritárias, como saúde e educação- que as economias cêntricas desistiram, há muito tempo, de alcançar.
c) Ao "enxugar" a máquina do Estado, procurando destruir o serviço público e abrindo novas e generosas frentes para a iniciativa privada.
d) E, agora, "flexibilizando as relações de trabalho", expressão eufemística que significa um passo seguro em direção à completa subordinação do trabalho ao capital.
Argumenta-se que o projeto em questão, se aprovado, gerará imediatamente um volume considerável de empregos. As empresas, afirma-se, em situação de quase falência, estão impedidas de contratar, tendo em vista os supostamente pesados encargos sociais impostos pela legislação vigente. É, realmente, de dar pena a situação do empresariado nacional.
Mentiras que parecem verdades. Omite-se, por exemplo, que foi com base nessa mesma legislação trabalhista que o Brasil se transformou no país mais desigual do mundo, onde a renda dos 20% mais ricos chega a corresponder a 32 vezes a dos 20% mais pobres.
As margens de lucro das empresas brasileiras são elevadíssimas em relação aos padrões internacionais. Perguntamos, então: o que a sociedade recebe em troca? Qual a contrapartida para os trabalhadores que, em última instância, geram essa prosperidade para as classes dominantes?
Em uma sociedade desigual como a nossa, o discurso, a capacidade de perverter o sentido de uma narrativa revela-se, de fato, uma das mais elaboradas habilidades do homem.
As ideologias conseguem, por exemplo, convencer a opinião pública de que o trabalhador é o responsável pela situação de atraso social em que vive o país.
Possuidor de baixa escolarização, pouco qualificado tecnicamente -em consequência do sucateamento do sistema educacional pelas elites, diga-se de passagem-, é, muitas vezes, apontado como o culpado pela hesitação de grandes empresas estrangeiras em se instalar no Brasil. Apesar de receber o menor salário mínimo do mundo, o trabalhador brasileiro ainda é culpado pela crise em que vivemos.
Usa-se, agora, essa argumentação para justificar a precarização das relações de trabalho, retirando direitos que fazem parte do patrimônio dos trabalhadores brasileiros. Cabe lembrar que em países que desregulamentaram o mercado de trabalho, como Argentina e Espanha, as taxas de desemprego estão atualmente entre as mais elevadas -respectivamente, 20% e 24%.
Devemos lutar pelo aperfeiçoamento da lei trabalhista e de proteção social no Brasil, para impedir retrocessos brutais dessa natureza. Defender o trabalhador brasileiro significa pugnar para que a inserção do país na ordem internacional não se dê às expensas de seus direitos mais elementares.

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