São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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A tragédia dos juros

ANTONIO DELFIM NETTO

Um dos maiores males causados à economia brasileira pela sobrevalorização do real é o fato de que ela impõe enorme restrição à convergência da taxa de juros interna à de nossos competidores no mercado internacional.
O governo não se cansa de anunciar que a taxa de juros tem baixado. Isso é verdade, mas produz o mesmo alívio que recebe um cidadão de 1,70 m de altura quando é informado que a coluna de água sobre ele foi reduzida de cinco para três metros: ele vai ser afogado do mesmo jeito, mas com menor crueldade...
Um levantamento feito na terceira semana de novembro mostrou que o custo do dinheiro em São Paulo para pessoas físicas varia de 5% a 10% ao mês conforme a natureza do crédito.
O mais grave é que o crédito às pessoas jurídicas para capital de giro e duplicatas continua entre 3,1% a 8% ao mês, dependendo, obviamente, da qualidade do crédito. O melhor crédito (3,1% ao mês) implica uma taxa de juros nominal anual de 44,2%.
Se considerarmos que a perspectiva de inflação no ano, de novembro a novembro, é de 8%, isso significa uma taxa de juros real de 33,6% (1,442 dividido por 1,08) ao ano. Para o crédito de pior qualidade (8% ao mês), temos que a taxa de juros real é da ordem de 133,2% ao ano, o que certamente significa a falência. Para o crédito "médio" (4,5% ao mês), a taxa de juros real é da ordem de 57,0% ao ano!
Como se comparam tais taxas com as de nossos concorrentes? Na China, o juro de crédito para capital de giro varia de 9,8% ao ano (2,0% real!) para empréstimos até seis meses e de 10,08% ao ano (2,9% real!) para 12 meses.
Mesmo as taxas pagas pelo nosso Tesouro, certamente as mais baixas, são ainda altas quando comparadas às taxas equivalentes em outros países de economia emergente.
O problema brasileiro não reside apenas no fato de que pagamos mais nos papéis de menor risco, mas no fato de que a distância entre essas taxas e as efetivamente pagas pelas atividades econômicas é incomensurável.
Tomemos o caso da Coréia, por exemplo. A taxa real do "overnight" é comparável com a brasileira. Mas o setor produtivo tem estímulos de toda natureza, com taxas de juros (e prazos) privilegiados. As pequenas e médias empresas recebem um suporte extraordinário. Elas não pagam mais do que 13% ou 14% de juros reais, que se comparam com os 33,6% pagos por nossas empresas que não têm acesso ao capital externo.
O mesmo acontece com todos os outros países. Em nenhum lugar o diferencial entre a taxa básica e as comuns aplicadas no setor produtivo nacional é superior a 50%. No Brasil, o diferencial é de 200%.
O câmbio valorizado exige altas taxas de juros (para sustentar os movimentos de arbitragem e manter baixo o nível de atividade), que introduzem mais uma condição de desigualdade competitiva entre o setor produtivo nacional e o estrangeiro.
Estamos liquidando muitas atividades perfeitamente saudáveis para satisfazer a teologia da especulação!

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