São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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'Independentes' estão menos originais

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sundance passa a idéia de defensor dos cineastas independentes do mundo. O festival que ingressa a arte na era industrial.
Na prática, a independência começa no momento em que os selecionados de cada ano são adotados pela grande engrenagem que move os negócios do cinema americano.
Ser 'descoberto' por Sundance pode significar garantias de co-produção internacional, como se confirmou em 95 para Walter Salles e o seu novo filme "Central do Brasil", ou de distribuição mundial como aconteceu com "Shine", de Scott Hicks.
Mas nem tudo é ideal no Sundance. O conceito de cineasta independente vem sendo anualmente desgastado pela própria atração que o festival exerce sobre os caçadores de talentos das grandes produtoras e distribuidoras americanas. Uma vez adotados, as revelações acabam tendo que se submeter a rígidas regras de mercado.
"Shine", por exemplo, depois de ter sido disputado em cenas de 'saloon' no ano passado, teve suas emoções congeladas por todo esse tempo para ser submetido aos regulamentos do próximo Oscar.
O pior vem com a perda de originalidade da produção independente americana, uma perda de inocência e vigor que continua entre as principais preocupações de Robert Redford. Ele não quer que o rótulo de independente sirva de passaporte para ganhar as graças de Hollywood, mas não tem como evitar isso.
Quentin Tarantino, uma das revelações de Sundance, pode ser considerado uma das vítimas desse vertiginoso processo de adoção.
Ao ter o seu filme de estréia, "Cães de Aluguel" (Reservoir Dogs), comprado pela poderosa Miramax, também uma das patrocinadoras do festival, Tarantino passou da qualidade de cinéfilo a produtor executivo da grande companhia, onde tem assinado bobagens monumentais.
Antes do deslumbre e do poder, o próprio Tarantino revelaria o seu espanto sobre as precárias condições com que sundance o havia recebido.
Na primeira projeção de "Cães de Aluguel", o cinema não tinha lentes de scope para uma correta projeção anamórfica, com aquele velho efeito de tela espichada. Na segunda, o filme pegou fogo.
Bom para promover cineastas e seus trabalhos, Sundance ainda oferece caóticas condições de projeção para os filmes da sua seleção.
O mau humor da organização do festival parece se dirigir ao seu próprio e descontrolado sucesso. Não há ingressos para satisfazer a todas as curiosidades.
E em Park City o festival de cinema parece disputar espaço num meio naturalmente hostil pelas temperaturas muitos graus abaixo do zero, com os indiferentes frequentadores das suas estações de esqui, e pelo comportamento conservador e desconfiado da população local de tradição mórmon.
As salas de cinema são improvisadas em salões planos de hotéis e edifícios públicos. O sistema de locomoção é um caos, e é impossível andar com neve pelos joelhos por mais de dois quarteirões.
O inferno astral com nevascas e os invariáveis menos 15 a menos 27 graus, acrescido pela falta de táxis e outras alternativas regulares de transporte público, ingressos esgotados ou ingressos na mão e minúsculas salas assim mesmo lotadas, culmina com restaurantes fechados e horários inflexíveis e indiferentes à fome de ricos, famosos ou desesperados independentes e anônimos.
Nem mesmo o "Zoom", da rede de restaurantes de Redford, estrategicamente situado em frente à sede do festival, abre exceção.
E fora as raras exceções anualmente consagradas, para o resto Sundance é mesmo uma grande gelada.

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