São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Falcêmicos pulam de médico em médico

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A rede de saúde pública não possui programas específicos de aconselhamento genético e exames pré-natais, capazes de detectar se um casal é portador da anemia falciforme. Isto é, que pode transmitir a doença a seus filhos.
Apenas agora começam a ser montados programas de orientação de médicos para diagnosticar precocemente a doença, o que é fundamental para a sobrevida dos falcêmicos (quem tem a doença).
A avaliação é de pesquisadores e especialistas que estudam a doença ouvidos pela Folha. No Brasil existem aproximadamente 6 milhões de pessoas saudáveis que são portadoras do gene da doença.
A identificação dos portadores de traço falciforme antes da gravidez ou no começo da gestação permite aos pais saber as chances de seu filho nascer doente e, então, se preparar para dar pronto atendimento ao recém-nascido.
Segundo Berenice Kikushi, que pesquisa o problema com bolsa da Fundação MaCarthur e orienta um grupo de doentes, não há no Brasil aconselhamento para os portadores de traço. "Aqui costuma-se dizer que portadores não têm nada. Ninguém quer acompanhar um portador de traço."
Falta de preparo
A falta de preparo médico e de uma política pública voltada ao problema faz com que a maior parte dos diagnósticos seja feita tardiamente, muitas vezes quando a criança já está com a saúde comprometida.
Se detectada precocemente, entretanto, a doença pode ser controlada por meio de medicamentos, como a hidroxiuréia e vacinas, fazendo com que o paciente leve uma vida quase normal.
Mas os diagnósticos não são só feitos tardiamente. São feitos indiretamente, isto é, o falcêmico descobre que tem a doença quando o médico resolve pedir exames mais detalhados após constatar que o paciente apresenta sintomas graves, como acidentes vascular cerebrais ("derrame"), falência no baço, pneumonias constantes etc.
Além do diagnóstico tardio, os falcêmicos são obrigados a passar por uma sucessão de médicos, hospitais e pronto-socorros até encontrar um especialista que conheça e seja capaz de fazer um acompanhamento clínico da doença (leia texto ao lado).
"Confundir a icterícia -sintoma comum- com hepatite e dores com fingimento são diagnósticos comuns. De fato, há um grande desconhecimento da classe médica em relação ao problema", diz Berenice Kikushi.
E mais. Pacientes com anemia falciforme habitualmente se aposentam cedo por invalidez. Muitos enfrentam preconceitos no trabalho e na sala de aula e acabam abandonando a escola ou sendo demitidos. "Os falcêmicos acabam escondendo a doença porque muitos não entendem o fato de eles terem de se ausentar inúmeras vezes por ano."

SERVIÇO: Associação Afro Brasileira Ogban - Orientação a Falcêmicos, tel.: 011/957-6783

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