São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 1997
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Passamos do ponto

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Desde criança que ouço as pessoas sérias deste país, sobretudo os políticos (que não chegam a ser sérios), afirmarem que "o Brasil amadureceu". Outro dia, no espaço de meia hora, ouvi um empresário, um senador e um analista econômico, entre outras considerações mais ou menos disparatadas, garantirem que "agora a situação é outra, o país amadureceu e não comporta mais...".
Fazendo os cálculos, por mais rudimentares que sejam, o Brasil já deve andar por uma idade provecta, somos tão maduros que talvez já estejamos podres.
Quando Getúlio Vargas, em 1937, comunicou à nação que não haveria mais eleição, pois o povo queria a continuidade de seu governo, ele disse que o Brasil estava maduro. Trinta e um anos depois, ao ler o Ato Institucional nº 5, o general Costa e Silva disse coisa parecida e os líderes políticos daquele tempo afirmaram que, realmente, o Brasil amadurecera a ponto de não mais precisar da democracia.
Toda a vez que FHC fica irritado com os poucos que ainda fazem oposição a seu governo, ele diz as obviedades de praxe. Como a modéstia não é o seu forte, atribui-se todas as qualidades, como se o Brasil, antes dele, fosse um lixo. E sempre ameaça os poucos opositores com a garantia de que o país amadureceu.
E só terá sentido em sua madureza se lhe derem a oportunidade de mais um mandato. Daqui a seis anos, evidente que o Brasil estará pelo menos seis anos mais maduro. E aí ele brandirá o mesmo argumento.
Num discurso feito durante a guerra, Churchill evocou o passado da Inglaterra -alguns séculos a mais do que o Brasil e com história bem mais interessante. Falou na "firmeza jovem" da alma inglesa, não fez qualquer referência à madureza de seus contemporâneos.
Repito a dúvida lá de cima: de tão maduros, talvez já estejamos podres. E os últimos acontecimentos na cena política confirmam a suspeita.

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