São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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O câmbio e os dilemas de 98

CELSO PINTO

Atribui-se ao economista e banqueiro baiano Daniel Dantas a seguinte definição sobre os três tipos de economistas que existem hoje no Brasil: há os que acham que o câmbio está errado e dizem isso, há os que acham que o câmbio está errado e não dizem, e há os que acham que o câmbio está errado e dizem, em público, que ele está certo.
Pode haver algum exagero na "boutade", mas o fato é que a discussão sobre o câmbio está saindo da clandestinidade. Até recentemente, o economista que falasse em sobrevalorização cambial corria o risco de ser taxado de oportunista de oposição, lobista de empresários paulistas ou estrangeiro enxerido.
Na medida em que os resultados das contas externas caminharam na direção complicada que era previsível há muito tempo, discutir câmbio voltou a ser assunto sério, até porque passou a incluir economistas próximos ao Plano Real e à equipe. Quando o próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan, fala em "aperfeiçoar a banda cambial", fica difícil recolocar esse fantasma de volta ao baú.
Os sinais que vêm do Banco Central, contudo, continuam apontando na mesma direção. Francisco Lopes, diretor de Política Monetária, faz uma conta. Mesmo que o déficit em transações correntes chegue a US$ 30 bilhões este ano (hipótese na qual o déficit na balança comercial ficaria em US$ 12 bilhões), o cálculo do BC é que entrarão US$ 15 bilhões entre investimentos diretos (na produção) e em "portfolio" (nas Bolsas).
Trata-se de um dinheiro que não aumenta a dívida externa -embora, no caso dos investimentos diretos, gere remessas de dividendos de até 12% ao ano. Deduzindo do déficit essas entradas, mais a conta de juros (de US$ 12 bilhões), sobrariam, no máximo, uns US$ 3 bilhões para ser financiados por aumento de dívida externa líquida, algo razoável.
Existem dois supostos neste raciocínio. O primeiro é que o mercado internacional continuará nadando em dinheiro, como hoje, não haja saltos dos juros americanos, queda forte na Bolsa de Nova York, ou problemas com a Argentina e o México. O outro suposto é que os investidores internacionais continuarão confiando que a deterioração das contas brasileiras é temporária (3 ou 4 anos) até que se complete o ajuste fiscal e as reformas.
Outra suposição ainda mais complicada é que, se algumas dessas precondições der errado, e houver uma corrida contra o Brasil, o governo terá espaço para corrigir o rumo. Como fez em 95: subindo os juros (à lua, se necessário) e, no limite, deixando a moeda deslizar. A precondição é não deixar as reservas cambiais caírem muito antes de reagir.
Suponha que um cenário desse tipo aconteça no próximo ano, em meio à campanha presidencial. Será que o governo comprometeria suas chances nas urnas pela defesa do real?
O ano que vem é mais complicado do que parece. Se FHC não puder concorrer, o candidato tucano será mais fraco. Maluf é apoiado por Delfim Netto e Affonso Pastore, dois defensores de uma máxi. Quanto mais ele subir nas pesquisas, mais o mercado ficará nervoso. Se o candidato de esquerda ficar forte, pior ainda: a dúvida não será só o câmbio, mas todo o Plano Real.
Com FHC como candidato à reeleição e as contas externas numa trajetória insustentável, o cenário não ficará muito mais fácil. A expectativa do mercado já é, e será cada vez mais, a de que no início do segundo mandato FHC fará uma correção no câmbio. Quanto mais forte ele estiver como candidato, mais o mercado vai pensar em se proteger, o que poderia gerar uma corrida contra o real.
A conclusão é que qualquer ajuste teria que ser feito neste ano e rápido, para dar tempo de tudo estar cor de rosa em 98. Mas como fazer qualquer coisa se a reeleição emperrar e for para um plebiscito que consumirá meses?
Não é impossível que o governo acabe se dando bem mantendo a mesma aposta, mas é aconselhável que examine alternativas. Este ano e 98 serão tudo, menos anos "sem graça" na área externa, como tem prometido o diretor do BC, Gustavo Franco.
Brasil lança papel
O BC voltou ao mercado internacional. Desta vez, quer lançar bônus de 500 milhões de marcos alemães (US$ 150 milhões), prazo de 10 anos. Enviou convite a uma dúzia de instituições para dizerem, até dia 29, por quanto conseguem colocar os papéis.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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