São Paulo, terça-feira, 28 de janeiro de 1997
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'Murmúrio dos cargos' atrai votos pró-FHC

MARTA SALOMON
LUCIO VAZ

MARTA SALOMON; LUCIO VAZ; WILLIAM FRANÇA; DENISE MADUEÑO; DANIELA PINHEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Operação de conquista de deputados inclui ameaça de retirada de postos dos que votarem contra emenda

Uma senha comandou o avanço do governo sobre os deputados indecisos do PMDB e do PPB. Num intervalo das dezenas de reuniões realizadas ontem, ela foi assim traduzida pelo deputado Moreira Franco (PMDB-RJ): "Junto com a voz rouca das ruas, (os deputados) estão ouvindo os murmúrios dos cargos".
A "voz rouca das ruas" foi uma expressão utilizada pelo presidente FHC há duas semanas para pressionar o Congresso a votar logo a emenda da reeleição.
Os cargos que "murmuraram" são as centenas de postos federais em Brasília e nos Estados ocupados por afilhados dos políticos que se aliam ao governo. E que poderiam trocar de mãos dependendo do resultado da votação.
A ameaça de perder os cargos que ocupam no governo está sendo decisiva para a virada de votos a favor não só no PMDB como também no PPB de Paulo Maluf.
O deputado Pauderney Avelino (PPB-AM), líder dos dissidentes de Maluf, deixou claro: "Quem está no governo vota a favor. Quem não vota, está fora". Ele nega a barganha. "A negociação foi feita na formação do governo. Quem está no governo, tem o ônus e tem o bônus. Quem é do governo indicou seus apadrinhados para os cargos do governo. Agora, tem que apoiar", afirmou Avelino.
Ele disse que está ocorrendo uma verdadeira "ola" (onda) a favor da reeleição. Avelino tem uma explicação para a adesão dos pepebistas: "Os nossos deputados são responsáveis, não têm perfil de oposição. Como dizem alguns: 'ser oposição é como sapato branco: fica bem nos pés dos outros"'.
A última virada expressiva de votos no PPB ocorreu na bancada do Tocantins. O governador Siqueira Campos (PPB) garantiu o voto dos últimos três deputados do partido que estavam indecisos.
1. Investidas - Na reta final da caça aos votos os governistas computaram que a "maioria expressiva" do PMDB preferia ficar no governo a ir para a oposição nos próximos seis anos.
Como resultado das investidas comandadas pelo próprio presidente da República, os líderes governistas apostavam ontem num placar superior a 340 votos favoráveis. Certo da vitória, FHC chamou os líderes governistas depois do almoço no Palácio da Alvorada e disse que respeitaria o resultado de hoje -qualquer que fosse ele.
A conversa foi uma espécie de ritual para reafirmar como parceiros do projeto de reeleição três partidos -PSDB, PFL e PMDB, embrião da futura aliança presidencial de 1998.
"A discussão do espaço do partido no governo é uma conversa para mais adiante", observou o líder do PSDB, José Aníbal (SP). "Mas sempre dissemos que essa era uma reivindicação justa: abrirmos para dar mais espaço para o PMDB."
À tarde, já no Palácio do Planalto, FHC manteve uma agenda cheia. Abriu espaço para tentar convencer deputados indecisos, recebeu líderes, senadores e governadores. Entre os deputados agendados, estavam Philemon Rodrigues (PTB-MG) -que se declara indeciso, segundo levantamento realizado pela Folha-, Antônio do Valle (PMDB-MG) e Carlos Alberto (PSDB-RN). Os dois últimos favoráveis à reeleição.
"Vim aqui para que o presidente possa sentir que a gente está aqui, dentro do Congresso", disse Valle. Ele veio pedir mais atenção do governo federal para investimentos em Minas Gerais.
FHC também abriu espaço para conversar com o senador Romeu Tuma (PL-SP). Outros deputados, como Álvaro Gaudêncio (PFL-PB), Fernando Diniz (PMDB-MG), Luís Durão (PDT-ES) e Nelson Marquezelli (PTB-SP) -este último contra a reeleição-, foram recebidos pelos ministros Eduardo Jorge (Secretaria Geral) e Luiz Carlos Santos (Assuntos Políticos).
À noite, estavam previstas reuniões de FHC com governadores tucanos, além dos governadores Dante de Oliveira (PDT-MT), Amazonino Mendes (PPB-AM), Siqueira Campos (PPB-TO) e Orleir Cameli (sem-partido-AC).
2. QG do Benito - A principal meta do comando político do governo ontem, fixada por FHC, era garantir o maior número de apoios dentro do PMDB.
"Não queremos ganhar isso com trauma, queremos arredondar politicamente", insistiu o líder do governo na Câmara, Benito Gama (PFL-BA).
A divisão de tarefas foi feita no domingo à noite na reunião no Palácio da Alvorada. "São missões secretas", esquivou-se o líder.
Uma das missões que coube a Benito Gama foi mapear os votos pró-reeleição. Para isso, ele montou um quartel-general na sala da liderança do governo. Pelo telefone, os funcionários checavam a localização dos deputados.
Para quem não tivesse vôo marcado, seria providenciada uma carona até a capital. Os doentes também poderiam contar com o apoio das lideranças para estar no plenário no momento da votação. O governo trabalha para lotar o plenário com todos os 513 deputados.
3. Humor de FHC - Os participantes da reunião no domingo no Alvorada não tiveram dificuldades em identificar o humor de FHC. Declararam que o presidente riu bastante e mais ouviu do que falou. FHC procurou ser bom anfitrião. Apontou para uma mesa e teria dito aos seus aliados: "Vocês dizem que nunca tem nada. Olha o bufê que eu fiz".
Um dos participantes entendeu a oferta como ironia: "Só tinha pão com gergelim e água com gelo", disse, pedindo para não ser identificado. Outro integrante do comando presente afirmou que havia pão de queijo e suco de laranja.
Se queria ser gentil, FHC demonstrou que, em se tratando de comida, não estava muito disposto a fazer divisões. Preferiu guardar o bolo de rolo (uma espécie de rocambole), típico de Pernambuco, levado pelo deputado Mendonça Filho (PFL-PE), autor da emenda da reeleição. "Esse não, fica para depois", teria dito FHC.
4. "Amadores não" - A euforia que tomou conta dos líderes governistas ontem era explicada pelo líder do governo como o clímax do que considerou "uma estratégia fantástica". Há três meses, em reuniões semanais, o governo vem trabalhando os 308 votos necessários à aprovação da emenda da reeleição.
Acompanhado por FHC, um grupo de operadores caçava os votos. Seus integrantes: os ministros Luiz Carlos Santos (Assuntos Políticos) e Sérgio Motta (Comunicações), o presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), os líderes Benito Gama, Michel Temer, José Aníbal, Inocêncio Oliveira (PFL-PE), e os deputados Geddel Vieira Lima, Aloysio Nunes Ferreira (PMDB-SP) e Eliseu Padilha (PMDB-RS).
Coube a Sérgio Motta a coordenação do grupo e a guarda da lista dos votos. "Essa é a principal emenda do governo: não podemos ser amadores, estamos trabalhando profissionalmente", avaliou ontem Benito Gama.
5. Sem consulta - A possibilidade de convocação de um plebiscito foi descartada definitivamente na noite do domingo, na reunião com FHC no Alvorada. Lançada como opção para aprovar a reeleição sem o apoio do PMDB e estimulada por pesquisas de opinião encomendadas pelo Planalto, o plebiscito desapareceu da estratégia governistas da mesma forma que surgiu.
"A população só queria o plebiscito para calar o PMDB", chegou a afirmar Benito Gama.
6. Day after - A suada recomposição do apoio no PMDB fez os líderes governistas adiarem a definição da data em que a emenda da reeleição será submetida ao segundo turno de votação. "Isso é coisa para o day after (dia seguinte)", disse Benito Gama.
A tendência é que a votação ocorra depois da eleição do novo presidente da Câmara, prevista para terça-feira que vem. A hipótese de a emenda seguir adiante apenas depois do Carnaval não está descartada.

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