São Paulo, sexta-feira, 3 de outubro de 1997
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Amigo e ex-assessor defende papa das críticas do 'clero progressista'

LUIS HENRIQUE AMARAL
DA REPORTAGEM LOCAL

D. Lucas Moreira Neves, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) foi assessor direto do papa João Paulo 2º no Vaticano entre 1978 e 1987. A pedido da Folha, ele traçou o perfil do pontífice, que conhece desde 1974. Depois de anos de convivência, os dois se tornaram amigos.
Ao tentar explicar a personalidade de um dos homens mais influentes do século, d. Lucas acaba por fazer uma defesa das críticas que o chamado "clero progressista" faz ao papa.
A resposta está nas entrelinhas de frases como na que ele afirma que o papa defende a opção preferencial pelos pobres, mas sem "radicalismo".
Leia a seguir trechos do perfil do papa traçado por d. Lucas:
(LUÍS HENRIQUE AMARAL)
*
Equilíbrio
Um dos traços mais importantes da personalidade do papa João Paulo é o equilíbrio. Ele é extremamente equilibrado.
Pode haver poliglotas que são mais poliglotas do que ele, pode haver um místico mais ardente do que ele, mas ele é um poliglota místico. E também um grande homem de ação.
O fato de falar várias línguas é importante para a personalidade dele, demonstra uma abertura ao interlocutor.
Ele tem uma vontade forte. Uma inteligência capaz de ler por dentro, dos homens e da história.
Existe nele uma aliança da grande força de vontade com a lucidez e inteligência profunda.
Organização
O papa também é extremamente organizado. Quando ele está em audiência com uma pessoas, se dá totalmente àquela pessoa.
Além disso, o papa é um homem de ação imbatível. Tem senso de dever.
Nos anos que trabalhei com ele, entre 1978 e 1987, quando ele me dizia na terceira pessoa, "o papa deve fazer isso", eu tinha certeza que não haveria mais discussão.
E isso não é o senso da majestade do cargo, porque ele é de uma simplicidade enorme.
Vida interior
O papa é também um homem de vida interior e de oração. Tem um incomparável senso do Divino, do poder de Deus, do absoluto de Deus.
Para defini-lo, uso sempre dois adjetivos: é uma personalidade muito harmoniosa e muito equilibrada.
Não há radicalismo, não há excessos, cultiva todas as potências. E é com isso que ele tem governado a igreja.
É um filósofo de grande porte, é também um teólogo, é um artista, um dramaturgo e poeta. E sempre teve sensibilidade para o mundo científico.
Comunicador
Também é importante destacar que ele é um incrível comunicador, que é o segredo da liderança inclusive sobre os jovens.
Isso foi demonstrado agora em Paris. É um homem fisicamente depauperado e que, no entanto, tem uma apelo sobre a juventude impressionante.
Brasil
Para o Brasil, eu sou testemunha de uma grande sensibilidade dele. Não só pelo número de católicos, de bispos, por ser a maior conferência episcopal, junto com EUA e Itália.
Não é só isso. Ele aprecia as qualidades da igreja no Brasil, seja no plano da CNBB seja no plano da vida religiosa e dos leigos.
Memória
Pela incrível memória que ele tem, que é outro dom, ele se lembra das qualidades claramente e, também, das limitações e dos defeitos da igreja do Brasil.
Isso lhe permite um conhecimento e um apreço particular à nossa igreja.
Eu o vejo constantemente preocupado em receber o episcopado brasileiro, recebendo em Roma, chamando os presidentes de regionais da CNBB.
Mudanças
Eu não saberia falar sobre as mudanças trazidas por ele só na igreja daqui.
Mas, no mundo inteiro, por exemplo, o fato de ele ter participado do concílio o faz ser um apaixonado pelo Concílio Vaticano 2º, ele acha que o concílio ainda não produziu todos os seus frutos.
Nessa linha, ele acredita em uma igreja inserida no mundo, não para se sujeitar a ele, mas para anunciar a alegria e a esperança.
Sem radicalismos
Sobre os concílios, ele é muito sensível à opção preferencial pelos pobres, mas essa foi uma definição mais da América Latina. Mas sem radicalismo.
Não é fundamentalista no sentido de pegar só um aspecto, ele não deixa de falar da evangelização do mundo da ciência, da inteligência, por exemplo.
Marcou muito a igreja também o lado contemplativo dele.
Hoje, a igreja é muito mais sensível aos valores da oração e da contemplação.
Condão
Isso não quer dizer que Paulo 6º não foi contemplativo, ou João 23, mas esse papa tem o condão, a capacidade, mais do que os predecessores, de incutir na igreja esses valores.
Ao mesmo tempo, é um homem que, em 19 anos, publicou três encíclicas sociais.
Essas características penetram no Brasil através dos bispos.

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