São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Sinal amarelo nos gastos

CELSO PINTO

Tudo pelo social?
Ninguém tem a sensação de que o atendimento da saúde deu um salto, que a reforma agrária avançou rapidamente, ou que os buracos das estradas sumiram. No entanto, as despesas com essas áreas têm crescido a ponto de gerar inquietações em economistas preocupados com o equilíbrio fiscal.
Esse tipo de despesa, no orçamento fiscal, vai parar na rubrica "Outros Gastos de Custeio e de Capital", conhecido pela sigla OCC. Pois bem, em 96 e 97, esses gastos poderão crescer 43% acima da inflação, se neste ano se mantiverem no ritmo apresentado até agosto (25% acima da inflação).
O aumento dos gastos em OCC foi muito maior do que o aumento da receita do governo federal. No ano passado, a receita federal cresceu 0,9% acima da inflação. Neste ano, até agosto, ficou 8,8% acima da inflação. Alguns economistas acham que, até o final do ano, a receita poderá crescer 10% ou 11%. De todo modo, em 96 e 97, a receita terá crescido 11% ou 12% em termos reais, enquanto as despesas com OCC terão subido 43%, um ritmo quatro vezes mais rápido.
Em termos relativos, calcula o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, essas despesas representaram 2,4% do PIB, tanto em 95 quanto em 96. Neste ano, deverão saltar para 3,2% do PIB.
E o que há de errado com isso? Nada, se esse aumento estiver apoiado numa situação fiscal sustentável.
Na verdade, os gastos com OCC foram a grande vítima dos apertos fiscais sucessivos desde o início dos anos 80. Como o orçamento fiscal é muito rígido, sempre que era preciso apertar as contas, o OCC saiu perdendo.
Fora do OCC estão gastos com transferências e vinculações constitucionais, pessoal, juros e empréstimos oficiais. Nenhum deles é comprimível. No OCC, por outro lado, estão os gastos de investimento e boa parte dos gastos sociais do governo.
Giambiagi fez as contas para saber de onde vieram os gastos a mais em 96. Dos R$ 2,1 bilhões adicionais, R$ 514 milhões foram para a reforma agrária, R$ 530 milhões, para transportes, e R$ 784 milhões, para o Poder Judiciário. Neste ano, os gastos com saúde subiram 16,7% em termos reais de janeiro a agosto. Boa parte do dinheiro dos projetos do "Brasil em Ação" também está aí.
A repressão dos gastos com OCC na última década levou a uma percepção geral de que esses gastos chegaram ao osso. "Se esses gastos estão no osso, então o osso engordou bastante nos últimos dois anos", diz Giambiagi.
O aumento de 0,8% do PIB nos gastos com OCC neste ano coincide com um aumento equivalente em receita, gerado pelo imposto do cheque (CPMF) e pelas receitas de concessões. O problema é se os gastos virarem permanentes, diz Giambiagi, enquanto as receitas adicionais, teoricamente, são transitórias.
É verdade, concorda o economista Raul Velloso, mas as razões para preocupação existem mais a médio prazo. Uma das conclusões a que se pode chegar é que não há dúvida de que o governo terá de tentar transformar a CPMF num imposto definitivo. Quanto às concessões, a fonte é finita, mas deverá render um bom dinheiro tanto neste ano quanto no próximo.
Velloso argumenta, ainda, que o governo sempre pode segurar gastos na boca do caixa para regular os descontroles. No passado, a inflação ajudava a corroer o valor real dos gastos. Agora o governo descobriu que, mesmo depois de liberada uma verba, é possível adiar a assinatura do cheque na fila do caixa único do Tesouro.
O fato, contudo, é que o salto nos gastos de OCC se soma a outros problemas fiscais preocupantes de médio prazo, como lembra Velloso: a tendência de desequilíbrio da Previdência, a rigidez nos gastos de pessoal e o fato de que a carga tributária já é alta. Alta ela é, mas deverá crescer ainda mais neste ano, o que prova que problemas fiscais, no Brasil, acabam se acomodando pelo aumento na receita, não pelo corte nos gastos.
Complicado, para o governo, é começar a ser criticado por gastar demais na área social e de infra-estrutura sem sequer ter se livrado da crítica generalizada de que está, na verdade, gastando de menos. O que apenas mostra a importância da aprovação de reformas estruturais dignas desse nome.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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