São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Paradoxos da energia elétrica no Brasil

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

O modelo de planejamento do sistema elétrico brasileiro é essencialmente voltado para a oferta -ou seja, as tendências do passado recente são extrapoladas, sem nenhuma discussão sobre a expectativa de permanência, no futuro, dos fatores que determinaram aquelas tendências. Com base num mercado potencial assim projetado, planeja-se a expansão da oferta sem questionar a utilidade, para o conjunto da sociedade brasileira, das unidades industriais que consumirão a energia a ser gerada nos projetos de expansão.
Esse modelo deu origem a graves erros estratégicos, como o da construção antecipada de grandes projetos hidroelétricos para atender à demanda de indústrias cuja produção, altamente eletrointensiva, destina-se preponderantemente à exportação.
Apesar de serem indústrias ambientalmente agressivas e que criam poucos empregos, o governo, paradoxalmente, oferece-lhes grandes subsídios pela eletricidade consumida. E o Brasil perde centenas de milhões de dólares por ano em exportações de eletrointensivos.
É oportuno lembrar que, do início do século até o começo do governo Kubitschek, os grupos estrangeiros e as empresas privadas nacionais que dominavam o setor elétrico não se interessaram em expandir o sistema para capacitá-lo a alimentar o desenvolvimento industrial. Por isso, em 1960, o governo foi praticamente forçado a entrar no setor, ampliando-o e modernizando-o. Hoje, o sistema elétrico brasileiro, que era exíguo e de baixa confiabilidade, alçou-se à categoria de um dos mais extensos e avançados do mundo.
Quase toda a eletricidade gerada no Brasil provém de aproveitamentos hidroelétricos, cuja exploração é renovável e ambientalmente muito menos problemática do que as alternativas disponíveis. A margem de lucro desses aproveitamentos é muito grande, pois sua fonte primária (a energia dos rios) não custa nada. Não há no mundo sistema elétrico de dimensões comparáveis às do brasileiro que goze de vantagens tão significativas.
Mas essas vantagens estão sendo anuladas pelo privatismo dogmático, que turva a capacidade de análise dos atuais governantes, já que, ao omitir-se da responsabilidade de planejar e operar o sistema elétrico em favor de investidores que visam máximos lucros em mínimos prazos, o governo permite absurdos como a construção de usinas termoelétricas a carvão (ou a gás) importado.
Eles desequilibrarão ainda mais a balança comercial e agredirão o meio ambiente, além de abrir caminho para maciças remessas de lucros até aqui desnecessárias, pois o sistema já existe e funciona.
Assinale-se que, com as atuais tarifas, o faturamento bruto do setor elétrico brasileiro atinge US$ 23 bilhões por ano e sua margem de lucro poderá chegar a 60% do faturamento.
Contudo, por paradoxal que pareça, só neste ano o BNDES já repassou cerca de R$ 4,8 bilhões aos novos proprietários das mais rentáveis estatais recém-privatizadas, nos setores elétrico e de telecomunicações. Esse dinheiro, que provém do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), está indo para as mãos de gigantes internacionais, como a norte-americana Southern Eletric ou a estatal francesa Éléctricité de France.
Portanto, ao contrário do que se poderia pensar, as privatizações contribuem para descapitalizar ainda mais o Brasil. Segundo o próprio BNDES, nas próximas privatizações serão liberados R$ 14,3 bilhões para os possíveis compradores das estatais do setor elétrico que, potencialmente, são das mais lucrativas do mundo. Só para os felizes candidatos à compra da CPFL, uma verdadeira jóia do sistema elétrico paulista, será aberto um crédito favorecido de R$ 1 bilhão, negociado há poucas semanas pelo BNDES com o governo estadual.
É estranho que ninguém pergunte qual será a vantagem, para o Brasil ou para São Paulo, dessa autêntica dilapidação do patrimônio público.

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