São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Matéria escura do Universo ainda é um mistério

MARCELO GLEISER
ESPECIAL PARA A FOLHA

No século 6º a.C., Tales de Mileto, que segundo Aristóteles foi o primeiro filósofo da Grécia antiga, argumentou que a substância fundamental do cosmos é a água. Essa resposta, à primeira vista absurda, deve ser interpretada metaforicamente; água tem a capacidade de se transformar, representando para Tales o caráter dinâmico da natureza.
Passados 2.500 anos, continuamos a nos debater com a mesma pergunta. Claro, progredimos muito desde os dias de Tales. Sabemos que há 92 elementos químicos estáveis na natureza, feitos de átomos, e que esses átomos se combinam para formar as moléculas. Sabemos também que os mesmos elementos químicos encontrados na Terra são encontrados em outras partes do Universo, seja em planetas, estrelas, ou nuvens de gás interestelar. Mas será que é só isso?
Não! Assim como um sistema solar consiste de (pelo menos) uma estrela e planetas atraídos pela gravidade, um "aglomerado de galáxias" é um grupo de galáxias atraídas dessa forma também.
Na década de 30, Fritz Zwicky, um astrônomo suíço trabalhando nos Estados Unidos, observou que as velocidades das galáxias em aglomerados de galáxias eram muito maiores do que elas deveriam ser.
Para explicar esse efeito, Zwicky calculou que a massa do aglomerado deveria ser pelo menos dez vezes maior do que a massa da matéria visível no aglomerado, ou seja, as estrelas e o gás pertencentes às galáxias.
Que tipo de matéria "extra", invisível, compõe a massa do aglomerado? Zwicky iniciou um debate que está aberto até hoje. Essa matéria que nós não podemos ver, mas que atua por meio da gravidade na dinâmica do aglomerado, é chamada de "matéria escura".
Mais recentemente, se mostrou que a matéria escura também está presente em galáxias individuais. A quantidade estimada varia segundo o tipo de galáxia (espiral, elíptica etc.), mas os números também são em torno de dez vezes mais matéria escura do que matéria capaz de gerar luz.
Tanto planetas -que não geram sua própria luz- quanto anãs marrons -estrelas tão leves que não podem iniciar os processos de fusão nuclear que geram luz- contribuem para a quantidade total de matéria escura em uma galáxia ou em um aglomerado de galáxias.
Mas o mistério da matéria escura está longe de ser resolvido. Por mais planetas e anãs marrons que possamos encontrar, não encontraremos dez vezes mais massa dessa forma do que em estrelas luminosas.
Vários outros candidatos foram propostos, certamente muito mais exóticos do que planetas. Por exemplo, é possível que grande parte da matéria escura seja na forma de buracos negros, os restos deixados por estrelas maciças ao se extinguirem, ou por neutrinos com massa, partículas que participam de processos radiativos, mas que tradicionalmente (e, até o momento, experimentalmente) não têm massa.
Mas segundo estimativas teóricas, nem mesmo buracos negros ou neutrinos maciços podem resolver o mistério da massa escura. Novas partículas -diferentes dos elétrons, prótons e nêutrons, que compõem os átomos- foram propostas como possíveis candidatas. Caso elas existam, 90% a 99% da massa do Universo pode ser composta de matéria que não tem nada a ver com a que compõe as estrelas, planetas ou seres humanos.
Seria o triunfo final da revolução copernicana, que nos séculos 16 e 17 determinou que o Sol, e não a Terra, é o centro do Universo. Se a matéria escura for mesmo composta de matéria exótica, não só não somos o centro do Universo, como também não somos nem feitos da matéria que domina sua composição e dinâmica.

Texto Anterior: Guerra no espaço
Próximo Texto: SEM MOTORISTA;
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.