São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997
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O bandido

JANIO DE FREITAS

A medida da importância de uma visita presidencial requer, em geral, algum tempo para ser avaliada, porque mesmo a ocorrência de acordos promissores exige prazos para se ver se saíram ou não do papel. A desimportância da visita de Clinton fugiu à regra, mas não só pela inexistência de algum acordo significativo. Deu-lhe a medida o ex-megainvestidor Naji Nahas: a condenação desse megafraudador a 24 anos e 8 meses de cadeia foi a estrela do noticiário na ocasião mesma em que Clinton iniciou sua exibição em Brasília.
Se o acordo de cooperação bilateral em ensino é a expressão maior da produção de Clinton e Fernando Henrique, como pretende o ministro Paulo Renato Souza, da Educação, nada nessa visita passou do ridículo. Os elementos do acordo não precisavam de mais do que uns protocolos entre os quintos escalões de brasileiros e americanos. E a contribuição brasileira para melhoria do ensino nos EUA só pode referir-se a futebol e escola de samba.
Já a relevância do caso Naji Nahas é merecida. A condenação não é definitiva, nem é provável que prevaleça, se a confrontamos com as tendências mais fortes nas instâncias altas do Judiciário, motivadoras da sentença popular de que punições, no Brasil, dependem da condição financeira e da cor do réu. O que não impede e talvez seja razão a mais para louvar-se, por dever e por prazer, o juiz Guilherme Nogueira da Gama, da 25ª Vara Federal no Rio. Naji Nahas é especialista em jogo pesado, e é pena que nem todos, ou poucos, possam imaginar o que significa dar uma sentença contrária a um jogador pesado como Nahas.
Passaram-se oito anos e quatro meses desde o início do escândalo Nahas. Como prazo para inquérito policial e processo judicial parece muito, apesar dos problemas técnicos envolvidos. De um ponto de vista mais particular, o prazo não importa: posso agora, sem permitir a Naji Nahas o uso da Lei de Imprensa, dar-lhe a resposta sucinta e adequada que lhe devo há oito anos e quatro meses.
Neste mesmo recanto publiquei, em 89, um gráfico, feito por uma empresa financeira para suas avaliações, retratando a manipulação da Bolsa de Valores por Naji Nahas, da qual resultaram o escândalo, a fuga de Nahas, sua posterior "prisão" por Romeu Tuma, o processo judicial e a atual condenação pelas fraudes com que esteve ganhando montes de dinheiro na Bolsa. Nahas deu então uma entrevista em que qualificou de falsas as indicações do gráfico e, por isso, a mim chamou de criminoso.
Então vamos lá com todas as letras: Naji Nahas é bandido, chefe de uma quadrilha de ladrões das Bolsas de Valores de São Paulo e do Rio, com extensões no exterior e em corridas de cavalos também no Rio e em São Paulo. E a condenação a 24 anos e 8 meses de cadeia é, provavelmente, pelo menor dos seus crimes.

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