São Paulo, sábado, 18 de outubro de 1997
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Cirurgia de mudança de sexo ainda pode condenar médico

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O médico que praticar a cirurgia de mudança de sexo, mesmo que autorizado por recente resolução (nº 1.482/97) do Conselho Federal de Medicina (CFM), ainda pode ser denunciado à Justiça por crime de lesão corporal gravíssima.
Embora a decisão do CFM seja considerada uma boa iniciativa pelos especialistas em direito penal, ela não impede que o Ministério Público denuncie o médico que praticar a cirurgia de mudança de sexo. Isso por que a resolução do CFM não tem o poder de alterar o Código Penal.
E, como em matéria de direito tudo é uma questão de interpretação, alguns dirão que a cirurgia continua a enquadrar-se na definição de crime de lesão corporal gravíssima e, por isso, o médico está sujeito a ser processado e condenado criminalmente.
Enquanto outros argumentarão que a situação do transexual (aquele que se identifica psíquica e socialmente com o sexo oposto ao de seu registro civil) justifica a operação, ou seja, exclui a ilicitude do ato cirúrgico.
"O Código Penal proíbe o médico de fazer a operação quando diz ser crime ofender a integridade corporal de uma pessoa, aumentando a pena se da intervenção resultar a perda ou inutilização de membro, sentido ou função", alerta Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM).
D'Urso é favorável à cirurgia nos casos comprovados de transexualismo, mas entende que, hoje, o médico que a realizar poderá ser condenado criminalmente.
"A única brecha que a lei dá é a redução da pena se o agente tiver cometido o crime (lesão corporal gravíssima) impelido por motivo de relevante valor social ou moral. A tendência é os juízes condenarem, com possibilidade de diminuição da pena", adverte.
Celso Limongi, desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, diz que não condenaria o médico. Mas reconhece que a maioria dos membros do Judiciário e do Ministério Público (a quem compete fazer a denúncia) é conservadora e condenaria a prática da operação de mudança de sexo, apesar da resolução do CFM.
"Do ponto de vista puramente técnico, a remoção de órgão é crime. A resolução do CFM vem em auxílio do médico, mas é necessária uma lei que trate especificamente do assunto", diz Limongi.
Paulo José da Costa Júnior, advogado criminalista, integra a segunda corrente: "O transexual tem necessidade de fazer a operação. Por isso, a cirurgia é uma ação socialmente adequada e não constitui crime. A necessidade do procedimento configura uma causa supralegal (está além da lei) de exclusão da criminalidade".
Essa é também a opinião de Roberto Podval, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)."Se comprovado o problema psicológico e físico, o médico que realizar a cirurgia estará no exercício regular de um direito: o de curar uma anomalia. Isso exclui a ilicitude do ato", argumenta.

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