São Paulo, sábado, 18 de outubro de 1997
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Grandeza e decadência

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O direito internacional público, que regula as relações entre nações, envolve temas nos quais há uma parte de realidade jurídica e uma parte de fantasia, geralmente envolta em imensas doses de hipocrisia e de disfarce. Não estou exagerando. Em tese, todos os países são iguais em direitos e obrigações, no referente às suas fronteiras, ao exercício da soberania nos assuntos de seu exclusivo interesse. Só em tese. Na realidade as nações mais fortes, econômica ou militarmente, têm imposto a força de sua vontade às mais fracas. Com frequência, na base da brutalidade (a antiga URSS, na velha Tchecoslováquia), às vezes tentando disfarçar (os Estados Unidos, no Panamá).
Na história do Brasil, mesmo sendo um país de imensa extensão territorial -hoje habitado em todos os seus quase 9 milhões de quilômetros quadrados- houve episódios no Império e na República em que o direito internacional foi sacrificado, a benefício daquela que era a grande potência do tempo, a Inglaterra. A própria independência política brasileira, em 1822, contou com a influência britânica. Em outras ocasiões (como, por exemplo, na chamada Questão Christie) a coroa inglesa pretendeu impor condições estranhas ao relacionamento pacífico entre as nações, mandando às favas as normas do direito internacional.
Ocorre, porém, que as possibilidades dominadoras das nações mais ricas e mais fortes nunca são permanentes. Parece certo, ainda, que os períodos de grandeza são cada vez mais curtos. O império romano foi a primeira grande potência mundial. Dominou todo o mundo conhecido, deixando a influência de sua cultura, sentida até hoje. Todavia, seu império do ocidente, centralizado em Roma, caiu primeiro. No século 15, foi-se o império do oriente, com a queda de Constantinopla.
Esse fenômeno histórico foi bem avaliado por Montesquieu em seu genial livro "Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e da sua Decadência", de que há exemplaríssima tradução de Pedro Vieira Mota, para a Saraiva (386 páginas). Tive a alegria de prefaciar a edição, a pedido do tradutor. Sugeri ao leitor do prefácio que mantivesse permanente exercício intelectual da comparação entre o destino dos romanos, sua grandeza e decadência, com o de outras potências que dominaram o mundo nos séculos seguintes e logo decaíram, em velocidade acelerada.
Depois de um período em que a recomposição das forças não ficou bem caracterizada, nos séculos 15 e 16 (Portugal e a Espanha dividiram o mundo em duas partes, querendo dar força jurídica e econômica ao Tratado de Tordezilhas de 1494), veio a revolução industrial, transformadora da vida e garantidora do domínio britânico, em cujas colônias se dizia que o sol nunca se punha. O sol brilhou mais de 200 anos -bem menos que 15 séculos de Roma- e se ocultou no horizonte. Até a monarquia parece mais fraca.
Hoje, os Estados Unidos da América do Norte, a grande e única superpotência, exercem sua dominação econômica -imantando o fluxo da riqueza universal- e armada, funcionando como uma espécie de polícia do mundo. Com a vinda do presidente Bill Clinton (e, em exemplos expressivos, criticando grosseiramente os visitados e querendo controlar o tráfego aéreo nacional no período) a superpotência mostra-se desconsiderada com regras e conveniências do direito internacional. Não traz, porém, qualquer novidade histórica, nem dá caso para nos afligirmos. Isso passa.

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