São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Profecia; Coisa de craque; EREMILDO, O IDIOTA; A fantasia telefônica de Sérgio Motta; A negra Márcia da novela quebrará a escrita; Uma aula sobre a luta dos bóias-frias; Entrevista; Sem pai nem mãe

ELIO GASPARI

Profecia
Dois conhecedores da alma de FFHH reconhecem que não têm uma única migalha de informação concreta, mas apostam que ele namora a idéia de chegar a secretário-geral da ONU.
Duas coisas são certas: na mocidade ele dizia no colégio que seria senador e, na universidade, que seria papa. Para um agnóstico, a coisa mais parecida com o papado é a ONU.

Coisa de craque
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, nega que seja candidato à presidência da Organização Mundial do Comércio. Ou mudou de idéia nos últimos dias ou há alguém fazendo-se passar por ele para pedir apoios. Dois diplomatas, um dos quais seu subordinado, foram procurados por essa pessoa, cabalando ajuda. Estão certos de que era o próprio ministro, mas talvez tenham sido enganados.
Uma candidatura de Lampreia à OMC pode resultar em nada, mas terá o efeito lateral de lhe assegurar a estabilidade ministerial até o fim do próximo ano. Isso porque não fica bem para um governo mexer na posição de seus funcionários que disputam cargos em organizações internacionais.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota. Ele acha que o ministro do Trabalho, Paulo Paiva, inventou uma modalidade revolucionária de reengenharia de serviços.
O idiota foi informado de que o doutor Paiva está lançando no Rio Grande do Sul um novo modelo de carteira de trabalho. Coisa de Primeiro Mundo, com folhas plastificadas, dados impressos por computador e costura no lugar dos grampos. É o início de um processo de substituição das carteiras em todo o país. (Quem tem a velha não precisa se preocupar. Fica valendo.)
Eremildo nunca entendeu como o serviço de expedição de carteiras de trabalho conseguia funcionar impecavelmente. Ele achava que os servidores do Ministério do Trabalho formavam uma quadrilha de sabotadores da inépcia, pois o trabalhador aparecia no balcão de manhã e saía com sua carteira no bolso no mesmo dia, até na mesma hora. O Brasil teve cinco constituições, seis moedas e 20 presidentes, mas as carteiras sempre foram entregues com o mesmo grau de eficiência e rapidez.
Agora o idiota entendeu que eram de fato sabotadores, mas o doutor Paiva os apanhou. Acabou-se a sopa de entregar um documento ao cidadão no mesmo dia em que ele o pede. O ministro avisa que ela será entregue numa prazo que irá de 2 a 15 dias. Assim, o trabalhador brasileiro sai do Terceiro Mundo. Ganha uma carteira do Primeiro e fica obrigado a uma espera do Quarto.

A fantasia telefônica de Sérgio Motta
Enquanto o ministro das Comunicações, Sérgio Motta, arruma suas confusões atiçando o PFL, insultando parlamentares ou esbanjando sua imperial amizade, tudo bem. Por mais barulho que façam, essas serjadas têm pouco a ver com a vida real. Quando ele azucrina as pessoas que usam telefones é que a coisa fica séria.
Em poucos dias, Motta produziu duas confusões. Uma pela fantasia, outra pelo casamento do impulso com o improviso.
Primeiro, a fantasia.
Assinou uma portaria pela qual os 16 milhões de telefones existentes no país só poderão ser vendidos uma vez. Assim, todo cidadão que comprar um telefone no mercado paralelo não poderá vendê-lo. Como faltam linhas, passado algum tempo, diminuirá o número de vendedores (pois cada telefone ficará bloqueado depois de ter sido comprado no paralelo) sem que diminua a procura. O ministro reduzirá a oferta num mercado no qual a demanda está reprimida. Disso resultará um aumento do preço das linhas. Vai agravar o problema do cidadão que precisa de um telefone para trabalhar.
Segundo a lógica de Sérgio Motta, os telefones devem funcionar como os serviços de água e luz, que são pagos pelo que se consome. Seu argumento seria razoável se não faltassem linhas telefônicas em quase todas as grandes cidades brasileiras. Nesse caso, ninguém seria idiota de comprá-las no mercado paralelo.
Todas as promessas telefônicas do governo FFHH ficaram no gogó. Em janeiro do ano passado, anunciou que em 18 meses haveria tantos telefones disponíveis no Rio e em São Paulo que o mercado paralelo estaria defunto. O prazo venceu em julho passado e, entre o Rio e São Paulo, há 6 milhões de neobobos na fila.
O ministro quer que os telefones sejam vendidos a R$ 80. Delira. Em maio, dizia que eles custariam R$ 300. De fato esse é o preço que as empresas cobram, mas, telefone que é bom, elas não tem para vender. (O mercado de telefones está ficando parecido com o balcão da reeleição. O governo dizia que os deputados lhe davam o voto de graça, mas o deputado Ronivon Santiago conseguiu quem lhe desse R$ 200 mil pelo seu no paralelo.)
Agora, o impulso associado ao improviso.
Motta informou que autorizará a transformação das empresas telefônicas em provedoras de serviços da Internet.
Há no Brasil 400 provedores, atendendo a mais de 600 mil clientes. Graças a eles (e a Motta, que não deixou a Embratel monopolizar esse serviço), o Brasil é um dos países onde a Internet mais cresce. Para que essas empresas possam prestar serviços decentes, precisam de uma linha telefônica para cada 25 fregueses. Como as linhas não existem, até maio, de 55 mil pedidos feitos, atenderam-se a apenas 5,6 mil. Indo ao mercado paralelo, aumentam seus custos. Disso resulta que, enquanto nos Estados Unidos há provedores oferecendo acesso ilimitado por US$ 20 por mês, em Pindorama por esse dinheiro conseguem-se pouco mais de 20 horas mensais. (Deixe-se de lado o fato de a Embratel impor aos provedores custos cinco vezes mais caros que os praticados nos EUA.)
Havendo tamanha demanda reprimida, vale perguntar: onde as estatais vão buscar linhas? Vão entrar na fila? Se entrarem, tudo bem. Do contrário, o ministro vai começar a estatização dos serviços da Internet.
Para que as empresas de telecomunicações estatais entrem nesse mercado, Motta poderia ter a candura de anunciar que cada uma delas fica obrigada a afixar em lugar público uma lista com o nome de todas as empresas que solicitam linhas, atendendo-as por ordem de antiguidade ou por qualquer outro critério justificável.

A negra Márcia da novela quebrará a escrita
Ao engravidar a personagem Márcia (Maria Ceiça) de sua novela "Por Amor", Manoel Carlos chutará uma das grandes macumbas da literatura nacional, na qual negra não gera filho de branco. Gabriela, de Jorge Amado, é um bom exemplo. O caso mais recente sucedeu com uma negra do romance "Cidade de Deus", de Paulo Lins. Produto de uma traição, uma criança branca chega a nascer, mas é assassinada.
A Márcia de "Por Amor" vive há cinco anos com Wilson (Paulo Cesar Grande). Ela é negra, e ele, descendente de suecos. Já engravidou duas vezes, mas o companheiro induziu-a a abortar.
A esterilidade racial do romance brasileiro foi descoberta por um professor norte-americano nos anos 70. (Ele esclareceu que a escrava Isaura só pariu depois que branqueou.)
Márcia chamou Wilson de racista e ele argumentou que, se isso fosse verdade, não viveria com ela. Na resposta da moça está a chave do problema: ir para a cama com uma negra gostosa é uma dádiva. Ter um filho com ela, um estorvo.
Em novembro a escrita será quebrada, com o nascimento de Rita de Cássia, filha de Márcia e Wilson. Junto com a solução, virá outro problema. Para encantamento do pai e contrariedade da mãe, Rita será loura.
Mais tarde, é possível que o casal tenha outro filho, desta vez negro.
Para quem quiser elucubrar um pouco sobre a questão, é óbvio que fica faltando um lugar para o mulato.

Uma aula sobre a luta dos bóias-frias
Um bom livro na praça: "De Bóias Frias a Empregados Rurais", do professor José Graziano da Silva, editado pela Universidade Federal de Alagoas. Graziano é professor da Unicamp, acompanha o sindicalismo rural há quase 20 anos. Foi assessor de Luiz Inácio Lula da Silva na campanha presidencial de 1994. Se a sua opinião tivesse prevalecido, Lula jamais teria investido contra o Real.
Escrito com simplicidade, narra a transformação do sindicalismo rural em São Paulo na década de 80. Conta uma história que tem o seu melhor momento nas greves dos bóias-frias de Guariba, em 1984 e 1985. Os movimentos foram reprimidos, os trabalhadores foram iludidos e, mais tarde, traídos. Ainda assim, alteraram as relações do patronato com os cortadores de cana.
Mesmo sendo um trabalho acadêmico, com longos trechos de economia agrícola, em certos momentos chega a ser comovente. Graziano entende de sindicalismo e de agricultura. Pela sua suave narrativa passam dirigentes sindicais que não sabiam o que eram os bóias-frias. Isso dez anos depois da edição do clássico "Bóias-Frias - A Acumulação da Miséria", da professora Maria Conceição d'Incao. Passam também figuras que foram do radicalismo para o malufismo, como Zé Fátima, que era chamado de "Lula do Campo" e sumiu no pó. Passam até sindicalistas que supunham ser possível negar a existência do movimento dos sem-terra.
Graziano transcreve um documento no qual os sindicatos rurais sonham com barreiras físicas para impedir a entrada de miseráveis mineiros e nordestinos nos canaviais paulistas. (Esse tipo de discriminação da miséria reapareceu recentemente.)
Há no livro um apêndice que deveria ser panfletado na nação petista. Nele, Graziano demonstra o conflito existente entre a condição de militante político e a de assessor sindical. Entende que haja uma propensão para se transformar um no outro, mas explica por que o assessor acaba querendo ensinar aos trabalhadores o que é melhor para eles.
Não é um livro contra os sindicatos de trabalhadores rurais. É uma aula de um professor que não gosta de passar por bobo nem de iludir quem lhe dá atenção.

Entrevista
João Moreira
(51 anos, médico, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia)
*
- A Câmara aprovou a regulamentação dos planos de saúde e agora ele será discutido no Senado. Do jeito que está o projeto, a diálise e os transplantes de rins ficarão fora do plano mínimo de cobertura. O senhor defende que esses dois tratamentos sejam incluídos. Desse jeito as empresas não vão acabar quebrando?
- Não creio. Desde maio, a Unimed de Londrina está cobrindo, num esquema progressivo, tanto a diálise quanto os transplantes. Já tem dez pacientes em diálise e até o fim do ano começam os transplantes. Eles farão isso aumentando as mensalidades dos 120 mil associados em até R$ 4. Será que vão quebrar por isso? Hoje nós temos no Brasil 30 mil pessoas fazendo diálise e há 5.000 transplantados. Pelos padrões internacionais, deveríamos ter 100 mil na diálise e 15 mil transplantados. Os doentes renais crônicos estão morrendo por falta de tratamento. Morrem 10 mil pessoas por ano. Além disso, o SUS paga 98% das diálises feitas no Brasil. Isso custa perto de R$ 400 milhões. Sabe-se que, de cada quatro doentes, pelo menos um tem plano de cobertura privado. Se a diálise e o transplante entrarem no plano mínimo, economizam-se R$ 100 milhões que poderão ser usados em outras áreas da saúde.
- Além de incluir os tratamentos no plano básico da medicina privada, o que mais se poderia fazer?
- Pode-se transformar as clínicas de diálise em centros de nefrologia. Hoje a medicina de periferia melhorou bastante e aumentaram os diagnósticos das doenças renais crônicas. A pessoa sabe que está doente, mas fica sem saber o que fazer, rolando por aí. Sem atendimento especializado, em dois anos estará na diálise. Atendido, pode adiar em até quatro anos a sua entrada nas filas.
- Está demonstrado que a política do Ministério da Saúde inibe os transplantes. Isso sabendo-se que o paciente transplantado vive melhor e, depois de um ano, seu tratamento acaba ficando mais barato. O que se poderia fazer para aumentar os transplantes?
- Mudar a tabela do SUS. Ela paga R$ 9 mil pelo transplante, o que não chega a ser uma ninharia, mesmo custando R$ 20 mil numa clínica privada. O problema está no tratamento depois do transplante. O SUS paga R$ 3 por uma consulta de ambulatório. Um paciente transplantado é vulnerável a infecções. O SUS paga R$ 157 por uma semana de hospital para o tratamento de uma pneumonia. Isso não cobre o antibiótico. São ninharias. Os hospitais estão fugindo dos transplantes. No primeiro semestre deste ano, chamado de Ano da Saúde, pela primeira vez em mais de uma década, o número de transplantes feitos no Brasil caiu. Enquanto isso a diálise continuou aumentando. O hospital D. Silvério, em São Paulo, era o que mais fazia transplantes no Brasil, 120 por ano. Fechou o serviço. Os hospitais evangélicos de Sorocaba e Londrina desativaram uma parte dos seus serviços. Temos equipes de transplantes paradas, inclusive por falta de hospitais. Estamos regredindo.

Sem pai nem mãe
A candidatura do sindicalista José Ibrahim ao cargo de secretário das Relações do Trabalho do governo FFHH repousa em paz.
Luiz Antonio de Medeiros, presidente da Força Sindical, informa que nunca o indicou.
Enilson Simões de Moura, o Alemão, da central social-democrata, informa que não foi consultado a respeito do assunto, mas, se Ibrahim pretendesse ir para o lugar como representante da Força Sindical, vetaria-o.

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