São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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REBELIÃO DAS MALVADAS

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A história do feminismo neste século é dividida em "ondas" pelas teóricas feministas americanas. A segunda onda ("second wave"), por exemplo, inclui as décadas de 70 e 80 (leia texto à pág. 5-6).
Por esse critério, a terceira onda do feminismo já está dando lugar à quarta, que começa agora, em fins dos anos 90, e aponta para o próximo milênio. É o movimento chamado "Bad Girls" (BG) ou "Riot Grrrls" (RG), composto essencialmente por mulheres jovens, de 13 a 30 anos. São as "garotas más ou malvadas", as "garotas rebeldes". "Riot" em inglês significa "motim, revolta, rebelião".
Também chamada de pós-feminismo, a mais nova tendência de comportamento dessa geração de mulheres tem raízes no cenário "grunge", surgido na cidade americana de Seattle, no início dos anos 90. É a mesma linha de cultura alternativa que nasce no cenário musical e se desenvolve como fenômeno comportamental.
No caso do "grunge", o rock do grupo Nirvana, liderado por Kurt Cobain, que se suicidou em 1994, tornou-se símbolo de comportamento alternativo. No caso das Garotas Rebeldes, "bandas como Bikini Kill e Bratmobile forjaram um minimovimento de combate ao domínio masculino na cena punk e, por extensão, no mundo todo", explica uma das muitas GR espalhadas pela Internet.
Uma das referências do movimento "Bad Girl" é exatamente a cantora e atriz Courtney Love, viúva de Cobain. Love foi uma das primeiras porta-vozes de alguns dos slogans que impulsionam as feministas juvenis: "Garotas podem fazer qualquer coisa" ou "garotas boazinhas vão para o céu, as malvadas vão para todo lugar".
Quem são e o que querem as malvadas e rebeldes? São jovens que em algum momento se sentem ou se sentiram "aprisionadas por um sistema" em que não conseguem se encaixar. Garotas de auto-estima baixa, que buscaram e parecem ter encontrado espaço para se revoltar e mudar.
"O RG é um movimento musical que tem suas raízes no rock punk, e deve ser entendido dentro desse contexto", diz um fanzine do "Riot Grrrls". "Definir as garotas rebeldes é como definir o movimento punk -não há uma organização central, nenhuma autoridade definida, apenas uma atitude voltada para apontar a hipocrisia social e encorajar as pessoas a 'se virarem sozinhas', criando uma cultura delas próprias, ao perceberem que a mídia dominante não reflete suas preocupações nem fornece saídas para seus esforços."
Avessas à imprensa e à mídia em geral, deslocadas, 53% delas infelizes com seus corpos já aos 13 anos, 78% aos 18, segundo contabiliza a feminista americana Naomi Wolf em seu "O Mito da Beleza", as garotas malvadas reagem às ditas "garotas boazinhas", cujo comportamento se adequa às exigências do tal sistema. Uma das máximas do Garotas Rebeldes é "apoiar umas às outras, encorajar e fazer as coisas acontecerem sem pressão, sem competição".
"Há muitas garotas que sabem exatamente como se sentem -sozinhas em seus quartos, isoladas nas escolas, párias em suas próprias cidades. E sentem raiva disso. (...) Mas graças às 'Riot Grrrls', elas estão descobrindo algo vital: que tudo bem sentir raiva (o 'grrr' em 'grrrls') e elas não precisam mais se sentir sozinhas nisso."
"Muitas garotas voltaram-se umas para as outras em busca de apoio e compreensão e se juntaram em prol de uma causa em comum: revolução no estilo das garotas agora! Uma subcultura para nós! Uma subcultura feita por nós! Uma subcultura de nós mesmas!", gritam as páginas dos "zines".
A rede do movimento funciona por meio de fanzines (chamados de "zines" -como em "magazines"), revistas-panfletos, publicações do autor, xerocadas e desenhadas, que são distribuídas entre os diversos grupos. Os zines americanos têm nomes sugestivos como "Girl Germs" (Germes de Garota) ou "Satan Wears a Bra" (Satanás Usa Um Sutiã).
As RG acreditam que uma das formas mais importantes de romper a prisão é falar: "As zines são produzidas por garotas e mulheres jovens que se identificam com a música associada ao movimento. São sempre muito pessoais, mas essa saída pessoal é traduzida em uma ação política mais ampla quando as zines estão disponíveis para o público, juntando as pessoas em convenções e atividades que despertem a consciência", explica uma das páginas do "Riot Grrrls" na Internet.
Além dos zines, as atividades do movimento incluem encontros semanais, shows de música, selos de gravadoras independentes, listas de e-mails e convenções nacionais.
Mas os valores defendidos pelo "Bad/Riot Grrrls" são praticamente os mesmos do feminismo tradicional, com enfoque nas questões femininas que envolvem o corpo: estupro, direito ao aborto, bulimia, anorexia, padrões de beleza, exclusão da cultura popular, o sexismo do cotidiano, sexualidade, autodefesa, opressão aos gordos, racismo e classismo.
Qualquer semelhança com Simone de Beauvoir e Sartre certamente vai além da mera coincidência, já que deve estar nos recônditos do inconsciente coletivo das meninas. Meninas é o que elas são, vestidas em suas saias xadrez, suas meias-calças de rede e seus tênis ou botas. Meninas que parecem meninos portando guitarras. Tem algo de "sisterhood" (irmandade, fraternidade) nas malvadas garotas do "Riot Grrrls". Mas é tudo suave -sinal dos outros tempos que virão, quem sabe.

Fontes
Livro: "Bad Girls/Good Girls: Women, Sex and Power in the Nineties", de Nan Bauer Maglin e Donna Perry, 1997.
Na Internet: http://www. indieweb.com/riotgrrl/index.htlm

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