São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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A IMPRENSA E OS CIDADÃOS

Tramitam no Congresso dois projetos de lei que tratam da atividade jornalística. É evidente que eles não dizem respeito apenas aos interesses corporativos das empresas de comunicação e dos profissionais do jornalismo. Dispõem sobre a liberdade de informar, de opinar e de obter informações; enfim, tratam da autonomia da esfera pública e dos direitos individuais, elementos fundamentais do regime democrático.
Mas, na elaboração do texto legal, ao detalhar direitos e deveres dos meios de comunicação, o deputado Vilmar Rocha (PFL-GO) e o senador Roberto Requião (PMDB-PR) legislam também no sentido de cercear a liberdade de imprensa.
O projeto de Rocha, aprovado em comissão da Câmara, tem o mérito de revogar a lei de imprensa em vigor, de 1967, obra do regime militar. Essa sobrevivente do entulho autoritário estipula, por exemplo, que a imputação de um crime a um presidente da República seja sempre considerada calúnia, não importa a prova que o jornalista apresente. A lei de 1967 dava ainda ao ministro da Justiça o poder de apreender publicações.
No entanto, a ameaça autoritária persiste na lei proposta por Vilmar Rocha, pois "leis especiais" estabeleceriam casos em que podem ser proibidas a circulação de jornais ou a emissão de programas de rádio e TV.
O projeto Rocha não se limita, porém, a tornar legal esta forma de censura. Procura também cercear a obtenção de informações e a forma de divulgá-las. O artigo que trata dos deveres dos meios de comunicação emprega critérios abstratos e sujeitos à interpretação arbitrária para definir o que é jornalismo ético ou discriminatório. O projeto veda as "referências discriminatórias" sobre religião e convicções políticas. Além de vagas, as definições são autoritárias pelo fato mesmo de estipularem o que pode ou não ser dito, independentemente de se tratar de calúnia, injúria ou difamação.
No que diz respeito aos ataques à honra dos indivíduos, o projeto Rocha garante, corretamente, a celeridade da tramitação legal do direito de resposta. Tema correlato, a nova lei exige que os meios de comunicação garantam a pluralidade de versões sobre matéria controversa.
Nos artigos que tratam da punição para os crimes contra a honra e das penas pecuniárias correspondentes, o projeto Rocha deixa ao arbítrio dos juízes a questão subjetiva do montante da reparação aos ofendidos.
O problema é espinhoso, pois estão em jogo tanto a suficiente indenização devida a pessoas e a empresas prejudicadas como a sobrevivência da empresa jornalística e, por consequência, da liberdade de divulgar e ter livre acesso às informações. O projeto estabelece que a Justiça deve levar em conta "a capacidade financeira do ofensor, respeitada a sua solvabilidade". Mas é temerário permitir que a chamada "indústria das indenizações" prospere na ausência de limites definidos em lei, forçando os meios de comunicação a uma eventual atitude de autocensura.
Os jornalistas ficam sujeitos a multas de até R$ 100 mil e penas de prestação de serviços à comunidade, o que parece um privilégio. Calúnias de outros cidadãos podem sujeitá-los à prisão, segundo determina o Código Penal. Mas nesse caso é o código que deve ser alterado. Aqueles que não representam ameaça física à sociedade deveriam cumprir penas alternativas, pois é sabido que o cárcere está desmoralizado como meio de recuperação de infratores.
Diferentemente do projeto Rocha, a lei proposta pelo senador Requião se limita a regulamentar o direito dos atingidos pelos meios de comunicação. Ao restringir seu escopo, porém, o projeto Requião não se mostra mais adequado -pelo contrário. Não revoga a lei de imprensa autoritária e prevê punições como o fechamento de empresas jornalísticas, além de fazer com que a tramitação legal do direito de resposta seja mais lenta do que o é no projeto Rocha.
Os projetos da Câmara e do Senado são concorrentes e, em graus diferentes, contam com artigos que ameaçam a liberdade de acesso à informação. Espera-se que, na resolução do problema legislativo criado pela tramitação de projetos que tratam da mesma matéria, os congressistas corrijam as disposições que mutilam a liberdade de expressão e aperfeiçoem aquelas que tratam do respeito à imagem dos indivíduos.

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