São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
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Caso Diana mostrou mudança no país

JAIME SPITZCOVSKY; ROGÉRIO SIMÕES
EDITOR DE EXTERIOR E CIÊNCIA

ROGÉRIO SIMÕES
Os dias que se seguiram à morte da princesa Diana mostraram que o Reino Unido está em evidente processo de mudança.
Essa é a opinião do editor-adjunto do jornal britânico "The Independent", Colin Hughes, 39, que esteve na Folha para discutir as lições que o episódio trouxe para a imprensa e para o seu país.
Para aprofundar o debate em torno da cobertura da vida da princesa e das implicações que sua morte trouxe, a Folha realizou dois debates, nos dias 8 e 15 deste mês. No primeiro encontro, os profissionais do jornal discutiram internamente as questões éticas e jornalísticas envolvidas na cobertura.
Para o segundo, Hughes foi convidado a apresentar uma visão da imprensa inglesa sobre o episódio. Segundo ele, os jornais de seu país demoraram para perceber o quanto a morte de Diana havia afetado o público.
Em entrevista, Hughes apresentou um quadro otimista quanto ao futuro do Reino Unido depois da tragédia.
*
Folha - Para a imprensa, qual foi a principal lição do episódio Diana?
Colin Hughes - Primeiro, nunca ache que você sabe para onde uma reportagem está indo. Julgamos mal como seria a reação do público. Segundo, nós teremos de enfrentar esse problema sobre a invasão da vida das pessoas.
Também existe uma coisa ainda maior que nós aprendemos. O Reino Unido é uma nação que hoje pensa em si mesma de uma maneira diferente. As pessoas já haviam em parte compreendido isso, por causa da vitória de Tony Blair em maio. Mas eu não acho que os tablóides tivessem percebido. Aquela semana de Diana absolutamente selou isso.
Folha - Você disse que haveria uma mudança na forma que se invade a vida das pessoas. Qual o tipo de mudança?
Hughes - Acho que os jornalistas, no caso de uma criança que acabou de perder a mãe em um acidente ou coisa parecida, vão pensar duas vezes antes de colocar a câmera no rosto daquela criança.
Folha - Mesmo os tablóides?
Hughes - Sim.
Folha - Você é a favor de uma lei que proteja a privacidade?
Hughes - Não, sou contra, porque eu acredito que uma lei de privacidade seria usada pelos ricos e poderosos para que se protejam de investigações legítimas em suas atividades públicas.
Ela não ajudaria os fracos e os menos ricos, porque esses sempre teriam dificuldade em tomar alguma atitude; custa dinheiro ir a um tribunal.
Folha - Você é a favor das mudanças propostas pela Comissão de Reclamações à Imprensa, do Reino Unido?
Hughes - Sim, sou a favor de forma geral, mas parte também é um pouco ingênua. A parte ingênua é a definição do que é um lugar privado. O presidente da comissão diz que a praia é um lugar privado. Isso é idiotice. O que ele quer dizer é que essas pessoas estão engajadas em atividades privadas e, sem alguma boa razão, seria injusto fotografá-las nessa situação.
Folha - Você não acha que o interesse mundial na família real é devido à falta de ligação entre ela e a população britânica?
Hughes - Por que o mundo é fascinado pela família real britânica? Há muitas razões. A percepção externa tem muito a ver com aristocracia. E muito disso tem a ver com o fato de que a rainha não é apenas uma pessoa normal, ela não se apresenta como alguém comum, como em outros países europeus.
Folha - E o futuro da realeza?
Hughes - A primeira questão é se Charles pode chegar ao trono. Acho que existe pelo menos 50% de chance de ele não conseguir. Mas o que Charles deveria fazer agora seria iniciar um processo para remover a família real de funções simbólicas.
Uma coisa decente que ele poderia fazer seria separar igreja e Estado. Nós precisamos chegar a uma monarquia que seja um pouco mais como aquelas dos países europeus.
Folha - Como você explica a popularidade de Diana e a comoção provocada por sua morte?
Hughes - Acho que houve uma série de mudanças. No começo, ela era adorada por ser uma princesa de conto de fadas. Mas depois as pessoas acharam que ela estava sendo maltratada. Então isso se tornou uma forma de dizer à família real: vocês não nos representam.
Folha - Você é otimista quanto ao futuro do país?
Hughes - Há uma grande questão: qual é a nossa relação com a Europa? Nós devemos decidir, nos próximos anos, se vamos seguir nos considerando separados do continente ou se vamos aceitar que podemos ter nossas características, mas também pertencer à Europa.
Nisso há uma grande diferença entre os britânicos mais velhos e os mais jovens. Os mais velhos são temerosos, ainda têm ressentimentos contra a Alemanha. E os jovens não têm problema.
Folha - O fato de Tony Blair ter vencido as eleições, e mesmo a decisão de recriar o Parlamento escocês, mostram que, pelo menos no momento, os jovens estão vencendo essa batalha?
Hughes - Acho que nós estamos, definitivamente, na estrada da modernização. Se vamos seguir todo o caminho nessa estrada, eu não sei, mas eu sou bastante otimista. No final, não há outra estrada, a não ser seguir para trás.
Folha - Se você tivesse uma foto de Diana logo depois do acidente, você a publicaria?
Hughes - Não. Primeiro, os leitores ficariam tão bravos que nós perderíamos circulação. Segundo, porque pessoalmente não acho que os leitores ficariam mais bem informados. Publicar uma foto daquela seria uma invasão tão grande do espaço pessoal que você deveria ter uma razão muito boa para fazer isso.

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