São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 1997
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Passando a sujo

JANIO DE FREITAS

A desobrigação de veracidade, nos integrantes da cúpula governamental, não tem limite. O que não chega a ser inovação do atual governo, mas cabe-lhe a originalidade do grau de desfaçatez, de fato incomparável. Não se supôs, quando daquela frase "esqueçam tudo o que escrevi", que ali era transmitida ao país toda a concepção de relações verbais e éticas dos governantes com os cidadãos em geral. Não se podia supor.
Alguns ministros, para não falar no próprio autor da frase simbólica, não podem ser ouvidos nem por poucos minutos sem fazer rir, ou sem indignar, pela compulsão tão fácil, se não patológica, para a falsidade factual.
Uma notinha no "Globo" informa que os professores da Universidade de Brasília providenciam o pedido de prisão do ministro Pedro Malan, por não cumprir a decisão judicial que os reembolsa do calote salarial praticado pelo Plano Bresser.
Bresser Pereira passou anos, desde o seu desastrado plano como ministro da Fazenda de Sarney, fazendo palestras e discursos com sofismas que em vão pretendiam negar o calote. Das primeiras às mais altas instâncias da Justiça, o calote praticado por Bresser está provado e derrotado. Bresser, porém, continua o mesmo, apenas mudando um pouco o diapasão.
Em entrevista na CBN, há duas semanas, respondia com firmeza quando perguntado se o governo tem pago as causas que perde para o funcionalismo: "O governo está pagando todos os processos, sim". O pedido de cadeia não devia ser contra Malan, ou só contra Malan. Há mais de um motivo para pedido contra outro ministro.
A pergunta foi provocada por outra afirmação falsa de Bresser, quando falava de processos contra o governo: "O Brasil é o único país onde isso é possível". Com o seu nível de informação, só a má-fé explicaria a leviandade do argumento e a deliberação de desinformar. Não há outra hipótese, também, para a inverdade de que "não há estabilidade (de servidores) na Europa". Nesse tipo de conduta, que atravessou toda a longa entrevista, há mais do que desprezo pela veracidade e pelos entrevistadores: há desrespeito delituoso pelos cidadãos em geral.
Bresser está em boa companhia, e não só pelo seu chefe. Já brindado pela manhã com artigo de Elio Gaspari na Folha, lembrando que em janeiro de 96 Sérgio Motta anunciava a abundância de telefones no Rio e em São Paulo "em 18 meses", expirados em julho com as mesmas filas frustradas, o ministro reesculpido quis fechar o domingo bem à sua maneira. E não deixou passar uma só pergunta de Boris Casoy sem lambuzar o programa e salivar inverdades nos espectadores.
A porcariada crescente que é o serviço de telecomunicações sob sua administração é consequência de "40 anos sem investimento". Impossível saber se a frase escapista provém da ignorância factual ou da pobreza imaginativa. O setor em que o regime militar mais investiu, e no qual produziu inegável progresso, foi o de telecomunicações. Mas, para compensar, "em seis meses vamos ter (oferta) de telefone até em posto de gasolina, no país inteiro".
Sérgio Motta não foi leal nem ao nome do programa que Boris Casoy inaugurava -"Passando a limpo". E não passando a sujo.

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